segunda-feira, 4 de abril de 2011

Reflexões sobre o universo da hospitalidade comercial


Reflexões sobre o universo da hospitalidade comercial

A hospitalidade pode ser colocada, dentre suas várias definições, como “virtude daquele que recebe em sua casa com vontade, agrado e acolhimento” (BENEDUCE; PRADO; THEODORO, 2005: 6). Trata-se de uma autêntica virtude que exige entrega, carinho e esmero nos detalhes. Segundo Castelli (2005: 12) o conceito de hospitalidade permeia o objeto de várias ciências, entre as quais cabe citar a filosofia, a sociologia, a política, a economia, a história, a geografia, a arquitetura, a comunicação, a antropologia. Apesar de ser um tema recente, sabe-se que as pesquisas a seu respeito estão caminhando, de forma gradual, de maneira que se possa compreender um pouco mais desse campo de estudo. Contudo, ainda há muita discussão, muita polêmica que se faz em torno do que chamamos hospitalidade.

O tema hospitalidade surge atualmente como se fosse um vulcão a entrar em erupção. O assunto tornou-se extremamente útil não só em áreas correlatas, como a hotelaria, por exemplo, mas também em outras formas de questionamento da sociedade, como o problema da exclusão social. Pode-se entender que a sociedade está querendo reagir a uma constante que poderia ser o isolamento, a falta de sociabilidade, a tendência a ficar cada vez mais só. Compreende-se que a hospitalidade passou a ser um dos caminhos de se chegar a uma resposta. Muitas vezes se falou sobre hospitalidade, porém, uma hospitalidade baseada em um conceito superficial, que poderia se referir somente ao bom hospedeiro, ou até então, a uma cidade que sabe receber bem os seus turistas. Contudo, pode-se perceber a hospitalidade como o vínculo entre os seres humanos, o elo de ligação, um pretexto para o não isolamento. Percebe-se que o turismo, baseado em trocas humanas, em trocas de experiências, possa ser considerado um grande instrumento para a inclusão social que tanto tem se falado.

Em suma, trabalhar com a hospitalidade comercial abrange sua acepção mais conhecida, através dos locais prestadores de serviços constituintes do que chamamos de Indústria da Hospitalidade, restringindo-a ao tipo de hospitalidade destinada à oferta de serviços prestados por pessoas.


A oferta comercial da hospitalidade ocorre na maioria das sociedades ocidentais num contexto em que esta não ocupa posição central no sistema de valores. Para a maioria das partes, a hospitalidade é uma questão privada relativa aos indivíduos e não há requisito dominante a ser visto como beneficente ou caritativo [...] Desse modo, os “hóspedes” podem usar as instalações sem temer qualquer outra obrigação mútua em relação ao hospedeiro, além daquela exigida pelo relacionamento mercadológico, isto é, pagar a conta. (LASHLEY, 2004: 17)

Muitos entendem que embora a hospitalidade seja algo que tenha a dádiva como prerrogativa, a hospitalidade comercial se distingue no ponto de ser uma troca, não espontânea, mas sim monetária. Reconhece-se, assim, que a hospitalidade pode ser expressa de diversas maneiras, sob diversos segmentos.


Partindo da hipótese de que o comércio moderno da hospitalidade humana efetivamente abole o sacrifício implícito na dádiva (que tem no ambiente doméstico sua expressão mais forte), ao trocar serviços por dinheiro [...] ainda assim é possível o estudo da hospitalidade em serviços do turismo receptivo comercial, analisando o sacrifício além do contrato, verbal ou escrito, de prestação de serviço. “Na hospitalidade comercial, a hospitalidade propriamente dita acontece após o contrato, sendo que esse após deve ser entendido como ‘para além do’, ou ‘tudo que se faz além do’ [...] contrato”. (CAMARGO[1], 2003,apud DIAS; GIDRA, 2004: 124)

Tem-se, assim, que a hospitalidade é um termo que tem sido levado para uma série de áreas distintas. Especificamente, no que diz respeito à hospitalidade comercial, deve-se levar em consideração tanto o espírito da hospitalidade quanto a prática da boa hospedagem como diferenciais importantes em relação ao desenvolvimento da hotelaria. O fato de um estabelecimento ser ou não hospitaleiro acaba por influenciar diretamente na satisfação do cliente. A hospitalidade pode ser considerada um instrumento útil na capacitação dos profissionais das áreas do turismo e da hotelaria. O estudo da hospitalidade ajuda na compreensão para o processo de satisfação de necessidades e desejos de hóspedes de um determinado hotel, em decorrência de uma experiência prazerosa. 

O turismo tem adquirido relevância como atividade sociocultural e econômica capaz de incentivar a comunicação e a convivência. A atividade turística é considerada como fenômeno social contemporâneo de extrema importância para o desenvolvimento econômico e social das regiões. Ressalta-se, aqui, o interesse maior pelo desenvolvimento social, uma vez que é considerado prerrogativa para a própria existência da hospitalidade. Não seria possível falar em turismo sem tratar da hotelaria. Afinal, quando pensa-se em turismo, pensa-se em viagem e, esse processo não se realizará sem o processo de hospedagem. Daí a importância do hotel, ou seja, um local criado para acolher as pessoas de fora, quer sejam visitantes, quer sejam turistas.

Uma vez que consideramos a hospitalidade um universo mais abrangente, pode-se notar que o acolhimento, mesmo ele sendo realizado por um estabelecimento comercial, constitui-se em troca, em uma relação de anfitrião e hóspede. No que se refere ao Brasil, percebe-se que não existe carência no “sentido da hospitalidade” (derivado do caráter do povo e da hospitalidade doméstica) e sim, no domínio das técnicas de gestão e operação nos estabelecimentos hoteleiros. Considera-se que o índice de profissionalização desses estabelecimentos ainda é baixo (SAAB; DAEMON, 2000). Entretanto, na percepção do turista, a qualidade dos meios de hospedagem brasileiros, é considerada muito boa pela grande maioria (85%) dos usuários (EMBRATUR, 2004: 35-37). Aparentemente, a falta de profissionalismo ou de profissionalização não é tão perceptível aos visitantes quanto a constatação da baixa capacitação técnica da mão-de-obra poderia nos levar a crer. Especula-se que o que faz a deficiência técnica da mão-de-obra se tornar menos evidente, é a habilidade dos funcionários em criar empatia e sinergia com os hóspedes através do modo em que se desvelam no atendimento de suas necessidades. Desta forma, podemos entender a “hospitalidade natural” e/ou a base cultural e comportamental resultante da hospitalidade doméstica brasileira como característica determinante do relacionamento entre visitante e visitado, principalmente, quando tratamos da questão da preocupação em estar sendo receptivo e acolhedor com o outro.

Uma das políticas da hospitalidade comercial nos tempos atuais é atrair e reter uma força de trabalho competente, que essa seja capaz de agradar ao cliente (hóspede) e que ele possa sair do estabelecimento com a sensação de ter vivido uma grande experiência. A questão da mão-de-obra na hotelaria é algo que tem chamado muita atenção, é necessário formar bons profissionais aptos a atender o cliente de maneira que ele se sinta completamente satisfeito. A hospitalidade é baseada na troca e, independentemente da esfera, seja doméstica, pública ou comercial, esta “troca” é realizada por pessoas. Assim, as pessoas passam, nessas trocas, suas tradições, seus costumes e sua cultura. Sendo assim, deve-se ter o máximo de cuidado quando se refere à questão da mão-de-obra, no sentido de formar bons profissionais que atendam às expectativas do mercado. A hotelaria fez surgir um novo tipo de profissional que fosse além de somente saber receber um cliente. Foi preciso especializar-se.


Na década de 70, as maiores empresas hoteleiras nacionais praticamente dobraram sua capacidade e também nessa época, muitas empresas internacionais aqui se instalaram, contribuindo para melhor qualificação da mão-de-obra e melhoria de qualidade nos serviços prestados. A preocupação no dias de hoje, é a realidade no atendimento e a diversificação nos serviços oferecidos aos hóspedes dos bons hotéis. Os funcionários são treinados e qualificados com bases em modernas técnicas e direcionados especificamente para o atendimento setorial, o que não ocorria em épocas passadas onde os serviços domésticos eram requisitados para o atendimento sem padrão da qualidade e sem experiência e costumes próprios. (CÂNDIDO; VIERA, 2003: 37) 

“Tanto o melhoramento da qualidade dos serviços oferecidos quanto o aumento da produtividade dependem de uma melhor qualificação do pessoal que trabalha nas empresas de turismo, por meio da formação e capacitação de recursos humanos” (SPINELLI, 2002: 106-107). A qualificação profissional daqueles que realizam atividades relacionadas ao turismo deve ser abordada com a responsabilidade que o crescimento do setor exige. Um nível de qualificação adequado constitui condição indispensável para o melhoramento da qualidade da oferta, aspecto esse que cresce em importância na medida em que aumenta a concorrência pela captação de um número maior de turistas entre os locais receptores. Sendo assim, pode-se notar que cada localidade é responsável por investimentos para se fazer competitiva e se colocar à altura do mercado.

Através de pesquisas e levantamentos, percebe-se que uma das possíveis possibilidades para o sucesso de empresas prestadoras de serviços está no que consideramos mão-de-obra. É preciso buscar treiná-los de maneira que participem de todo processo, que não adquiram somente conhecimento técnico, ou seja, uma única maneira de realizar uma boa operação.

A hospitalidade pode ser considerada como imprescindível na formação profissional de indivíduos que optam por trabalhar em áreas como turismo, hotelaria, restauração. A hospitalidade, dentro de seu imenso universo, pode ser muito mais importante do que um simples treinamento. Vivenciar momentos de hospitalidade pode ser um caminho para se entender um pouco da necessidade de se criar e manter vínculos com outros seres humanos.

Conclui-se, então, que o desafio de se prestar mais atenção às questões associadas à hospitalidade está permeando o mundo atual. É preciso estar atento às questões aliadas à mão-de-obra, uma vez que receber não é atributo de setores como o turismo ou a hotelaria. Ser espontâneo, ser humano e saber criar laços que não sejam somente superficiais deve ser importante para as áreas associadas à esse tipo de atividade. Procurar alcançar a essência da hospitalidade é indispensável para entendermos as relações que se estabelecem entre seres humanos, tanto no ambiente familiar, quanto no ambiente de trabalho. Reconhecer essas virtudes e saber aproveitá-las em função de um bem comum é fator preponderante para o alcance de bons resultados. A hospitalidade pode ser um dos caminhos de se chegar a um possível resultado.



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Bibliografia

BENEDUCE, Carla; PRADO, Juliana; THEODORO, Joyce. Formação integral para a área da hospitalidade: um modelo desenvolvido pelo terceiro setor e com resultados já aprovados pelo mercado hoteleiro e da restauração. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE TURISMO, 7, 2005, Curitiba. Anais... Curitiba, UNICENP, 2005. (1 CdRom)

CÂNDIDO, Índio; VIERA, Elenara. Gestão de hotéis: técnicas, operações e serviços. Caxias do Sul: Educs, 2003.

CASTELLI, Geraldo. Hospitalidade na perspectiva da gastronomia e da hotelaria. São Paulo: Saraiva, 2005.

DENCKER, Ada Maneti; BUENO, Marielys Siqueira. Hospitalidade: cenários e oportunidades. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.

DIAS, Célia Maria de Morais; GIDRA, Gilberto. Hospitalidade: da simplicidade à complexidade. In DENCKER, Ada de Freitas Maneti (Org.). Planejamento e gestão em turismo e hospitalidade. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004, p. 124.


LASHLEY, Conrad; MORRISON, Alison. Em Busca da Hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. Barueri: Manole, 2004.

SAAB, Willian; DAEMON, Ilka. Qualidade na Hotelaria: o papel dos Recursos Humanos. BNDES, Área de Operações Industriais 2 (AO2), Gerência Setorial de Turismo, Disponível em:http://www.bndes.gov.br/conhecimento/setorial/get4is23.pdf . Acessado em: 30/03/06, 2000.

SPINELLI, Sara. A importância da formação profissional em turismo. In: SHIGUNOV NETO, Alexandre; MACIEL, Lizete (Orgs.). Currículo e formação profissional nos cursos de turismo. Campinas: Papirus, 2002, p. 105-126.

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