segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Um ABC diferente




Investimentos e novos empreendimentos podem transformar Suape em um polo tão rico quanto o da região paulista. O momento econômico não poderia ser melhor

Micheline Batista
michelinebatista.pe@dabr.com.br

Muito já se comparou o crescimento do Complexo Industrial Portuário de Suape ao de outros polos de desenvolvimento do Brasil, como Camaçari (BA) e Macaé (RJ).
Central de distribuição da GM é o embrião de um polo automobilístico . Foto: Alcione Ferreira/DP/D.A Press - 4/6/10
Por que não comparar também com a região do ABC Paulista? Não estamos falando mais de um ou dois municípios (Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho), mas de um território que abraça oito cidades. Assim como o ABC se expandiu e hoje engloba não mais três, mas sete municípios. Claro que são dois polos em estágios econômicos diferentes, surgidos em épocas distintas, mas suas trajetórias se cruzam mais do que se imagina.

Pelo menos um nome o ABC e Suape têm em comum: Louis Joseph Lebret. Em 1954, o padre francês, que era economista e engenheiro especialista em portos, esteve em Pernambuco quando Suape nem existia. Mas, de forma visionária, disse que o estado deveria abrigar uma refinaria de petróleo. Ao mesmo tempo, em São Paulo, Lebret sugeria ao governo paulista a integração do desenvolvimento social ao econômico através da desconcentração e interiorização dos investimentos. Surgia a região do ABC. Tinha como principal símbolo a montadora da Volkswagen, em São Bernardo do Campo.

Construção de uma refinaria de petróleo foi recomendada pelo padre Louis Joseph Lebret na década de 1950. Foto: Inês Campelo/Dp/D.A Press - 5/4/10
Mais de meio século depois, o ABC Paulista é um polo industrial maduro, enquanto que Suape, criado em 1979 e tendo atravessado 11 governos, ainda engatinha. Para se ter uma ideia, o Produto Interno Bruto (PIB) do Grande ABC, de R$ 63,65 bilhões, é maior do que a soma de todas as riquezas produzidas em Pernambuco (R$ 62,25 bilhões). "Estamos hoje com um projeto ainda incipiente, enquanto que o ABC tem uma estrutura muito madura. Mas que pode crescer e se transformar em algo semelhante daqui a 20 ou 30 anos", diz o presidente da consultoria Datamétrica, Alexandre Rands.

O que Suape vive hoje o ABC viveu na década de 1950 - pesados investimentos públicos e privados, facilidades no transporte e incentivos fiscais, o que fez emergir setores como o automobilístico, metalúrgico, mecânico, químico, petroquímico, autopeças e material elétrico em torno de três municípios - Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul. Nos anos 1970, o maior polo industrial do país se expandiu embalado pelo chamado milagre econômico.

Momento - Suape parece viver as duas ondas simultaneamente, o que pode encurtar em cerca de 20 anos a distância em relação a seu primo paulista. O momento econômico não poderia ser melhor. Pernambuco cresceu 3,8% em 2009, enquanto que o Nordeste evoluiu apenas 2,6% e o Brasil encolheu 0,2%. No primeiro trimestre do ano, a expansão do PIB alcançou 7,8% no estado. Dados do relatório PAC Suape revelam que os investimentos públicos devem chegar a R$ 1,4 bilhão no período 2007-2010, alcançando US$ 15 bilhões na área privada este ano. São cerca de 100 empresas, entre elas a Refinaria Abreu e Lima, o Estaleiro Atlântico Sul, o Polo Petroquímico e uma central de distribuição da General Motors (GM) - o embrião do que poderá vir a ser o polo automobilístico pernambucano.

Se Pernambuco já está sendo chamado de locomotiva do Nordeste, Suape certamente é a locomotiva de Pernambuco. O Território Estratégico concentra 23,49% do PIB estadual, número que deve subir para 25% em cinco anos. Ipojuca, por sua vez, ostenta o título de maior PIB per capita do estado - R$ 76.418. Números importantes, mas que não deixam de inspirar cuidados. "Para transformar PIB em renda, as empresas de Suape precisam contratar mão de obra local e comprar de empresas pernambucanas. Do contrário, essa riqueza será exportada", alerta o sócio-diretor da Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), Jorge Jatobá.

Território Ampliado de Suape

Perfil dos municípios

Moreno

Principais indústrias: construção civil; alimentícios, bebidas e álcool etílico; têxtil do vestuário e artefatos de tecidos; madeira e mobiliário; e os SIUP
PIB: R$ 207,5 milhões
PIB per capita: R$ 3.928
Participação no PIB de PE: 0,33%

Cabo de Santo Agostinho

Principais indústrias: produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico; minerais não metálicos; química; metalúrgica; têxtil do vestuário e artefatos de tecidos; e os SIUP (*)
PIB: R$ 2,81 bilhões
PIB per capita: R$ 17.244
Participação no PIB de PE: 4,52%

Escada

Principais indústrias: construção civil; bebidas; produtos de metal; têxtil; e química
PIB: R$ 233,5 milhões
PIB per capita: R$ 3.897
Participação no PIB de PE: 0,38%

Ribeirão

Principais indústrias: alimentícia (açúcar); construção civil
PIB: R$ 145 milhões
PIB per capita: R$ 3.743
Participação no PIB de PE: 0,23%

Jaboatão dos Guararapes

Principais indústrias: produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico; química (produtos farmacêuticos, veterinários, perfumaria, sabão, velas e material plástico); metalúrgico; material elétrico e de comunicações; papel, papelão; editorial e gráfica
PIB: R$ 5,57 bilhões
PIB per capita: R$ 8.384
Participação no PIB de PE: 8,96%

Ipojuca

Principais indústrias: produtos alimentícios; bebidas e álcool etílico; química; papel e papelão; têxtil do vestuário e artefatos de tecidos; minerais não metálicos; e os SIUP (termelétrica)
PIB: R$ 5,35 bilhões
PIB per capita: R$ 76.418 (o maior de PE)
Participação no PIB de PE: 8,60%

Serinhaém

Principais indústrias: produtos alimentícios (açúcar)
PIB: R$ 166 milhões
PIB per capita: R$ 4.561
Participação no PIB de PE: 0,27%

Rio Formoso

Principais indústrias: produtos alimentícios (açúcar)
PIB: R$ 128,39 milhões
PIB per capita: R$ 6.104
Participação no PIB de PE: 0,21%

PIB do território ampliado de Suape R$ 14,62 bilhões
Participação no PIB de PE 23,49%
PIB de PE R$ 62,25 bilhões
PIB per capita de PE - R$ 7.337

(*) SIUP - Serviços Industriais de Utilidade

Pública (energia elétrica, telecomunicações, saneamento, abastecimento de água e coleta de lixo).

Obs: Ano de referência do PIB - 2007 (preços de mercado)

Fonte: Agência Condepe/Fidem - Governo de PE

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Turismo é um diferencial

Há semelhanças entre a região de Suape e o Grande ABC, mas também há diferenças. O ABC é eminentemente industrial. O Território Estratégico Ampliado de Suape, além de indústrias, abriga um forte setor de comércio e serviços, incluindo o diferencial da atividade turística. Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca possuem praias conhecidas, como Gaibu, Muro Alto e Porto de Galinhas, além de uma razoável infraestrutura hoteleira e de gastronomia.

Alguns economistas entendem que o turismo deve apoiar a expansão industrial, oferecendo moradia, serviços de hospedagem e alimentação. "Estão desprezando essa possibilidade", opina Alexandre Rands. A indústria, por sua vez, deve respeitar o meio ambiente para que não corramos o risco de afugentar turistas com acidentes como o vazamento de óleo que atingiu o litoral do Rio no início do mês. É bom lembrar que, a partir de 2012, Suape receberá muitos petroleiros para abastecer a Refinaria Abreu e Lima.

Luciano Pinto, diretor executivo de Apoio à Gestão Regional e Metropolitana daAgência Condepe/Fidem, lembra que o Recife e Jaboatão dos Guararapes sempre tiveram uma vocação natural para o setor terciário. Jaboatão, por exemplo, é o principal parque logístico do estado. Sem falar na tradicional atividade sucroalcooleira da Mata Sul. "As demais atividades não acabarão por causa de Suape. Pelo contrário. O setor de serviços deve se expandir mais para atender às novas demandas".

Em São Paulo, o grosso do comércio e dos serviços estava na capital, grande centro consumidor. Em relação ao polo pernambucano, o centro não é o Recife ou apenas o Nordeste. "As indústrias de Suape não estão voltadas para toda a região, o Brasil e, em alguns casos, o exterior", pontua Rands. (M.B.)

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É preciso mudar a lógica


Para que Suape e os municípios de seu entorno não sofram tanto com as mazelas urbanas, sociais e ambientais que costumamos ver no ABC, em Camaçari e em Macaé, será necessário que os governos (estadual e municipais) se unam numa estratégia que oriente a expansão e o ordenamento desse território. Algumas ações foram sugeridas no Plano Território Estratégico de Suape - Diretrizes para uma ocupação sustentável, estudo coordenado pela Agência Condepe/Fidem iniciado em 2006. Mas é preciso avançar mais.

"Além daqueles que vão conseguir uma oportunidade de trabalho, teremos aqueles excluídos que não vão se encaixar. Isso já está ocorrendo e vai gerar um impacto grande na ocupação desse território. A gente não quer ser Macaé, Camaçari nem ABC. O que a gente quer é um crescimento sustentado. É preciso mudar essa lógica", dispara a gestora de Estudos Metropolitanos da Condepe/Fidem, Antonia Santamaria.

O plano coordenado pela Condepe/Fidem tem entre seus eixos temáticos a organização do território (incluindo o patrimônio natural e construído), mobilidade e saneamento ambiental, compreendendo abastecimento d'água, esgotamento sanitário, drenagem e lixo. Na área da mobilidade, por exemplo, foram destacados projetos que somam R$ 923 milhões, entre eles a requalificação da PE-60 e sua duplicação entre Suape e a divisa com Alagoas.

"Temos problemas pontuais que precisam de uma solução imediata. Como colocar, por exemplo, 20 mil pessoas trabalhando em Suape no pico das obras da refinaria? Vamos jogar todo esse tráfego para a PE-60? Mesmo duplicada, ela não irá suportar. Precisamos da via rápida correndo paralela à PE-60 e caindo direto no girador da Caninha 51", acrescenta Luciano Pinto, da Agência Condepe/Fidem. O investimento necessário em transporte público foi estimado em R$ 975 milhões e inclui, entre outros projetos, a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) entre Cajueiro Seco e Suape.

O cenário que se projeta é preocupante. Basta imaginar que, daqui a dez anos, Suape estará produzindo não apenas PET como também PTA, fios de poliéster, refinando petróleo e ainda fabricando navios. Outro projeto que ganha importância, portanto, é a implantação de um anel viário ligando a PE-60 à BR-101 e esta à BR-232, livrando o Recife do tráfego mais pesado. "Toda essa infraestrutura já deveria estar em execução. Se demorar muito vai ficar cada vez mais difícil contornar os problemas", critica o economista Alexandre Rands.

Segundo Santamaria, a maioria das cidades do território são ilhas rodeadas de canaviais e não tem mais para onde crescer. A saída, para não criar novas áreas de risco em morros e margens de rios, é expandir os centros urbanos. Será necessário, então, otimizar a ocupação dos espaços para que as cidades funcionem com qualidade em termos de habitação, escolas, hospitais, áreas de lazer e, sobretudo, transporte. (M.B.)

ABC Paulista

Perfil dos municípios

Mauá

Principais indústrias: metalúrgicas; químicas; materiais elétricos; petroquímica

PIB: R$ 5,39 bilhões
PIB per capita: R$ 13.394
Participação no PIB de SP: 0,59%

São Caetano do Sul

Principais indústrias: automobilísticas
PIB: R$ 9,04 bilhões
PIB per capita: R$ 62.458
Participação no PIB de SP: 1,00%

Diadema

Principais indústrias: autopeças; cosméticos
PIB: R$ 8,65 bilhões
PIB per capita: R$ 22.371
Participação no PIB de SP: 0,95%

Ribeirão Pires

PIB: R$ 1,35 bilhão
PIB per capita: R$ 12.660
Participação no PIB de SP: 0,15%

Rio Grande da Serra

PIB: R$ 310 milhões
PIB per capita: R$ 7.895
Participação no PIB de SP: 0,03%

Santo André

Principais indústrias: metalúrgicas; autopeças; refrigeração; eletroeletrônicos; borracha

PIB: R$ 13,38 bilhões
PIB per capita: R$ 20.044
Participação no PIB de SP: 1,48%

São Bernardo do Campo

Principais indústrias: automobilísticas; autopeças; tintas; produtos de higiene

PIB: R$ 25,53 bilhões
PIB per capita: R$ 32.677
Participação no PIB de SP: 2,82%

PIB do ABC Paulista R$ 63,65 bilhões
Participação no PIB de SP - 7,02%
PIB de SP - R$ 902,78 bilhões
PIB per capita de SP - R$ 22.667

Obs: Ano de referência do PIB - 2007 (preços de mercado)

Fonte: Fundação Seade/Governo de SP

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Preocupação com o social e o ambiente


Suape tem outra particularidade em relação a outros polos industriais - sua consolidação ocorre numa época de grandes preocupações com os indicadores socioambientais. Antes, não havia as exigências do licenciamento ambiental nem tanto planejamento urbano. As empresas simplesmente se instalavam e traziam todas as mazelas a reboque. Em Macaé, a questão urbana há muito fugiu do controle porque a população aumentou de 20 mil para 200 mil habitantes em poucas décadas.

Apesar do planejamento, a expansão dos centros urbanos dos municípios do entorno de Suape esbarra numa realidade: as prefeituras são carentes e não possuem estrutura administrativa para gerir esse crescimento. Por isso, o plano coordenado pela Condepe/Fidem traz em seu guarda-chuva o Programa Especial de Controle Urbano e Ambiental. Mas ainda falta o BNDES aportar os R$ 11 milhões prometidos.

"É um recurso diminuto em relação a outros investimentos, porém essencial para capacitar as prefeituras e construir um sistema de informações cartográficas georreferenciadas", defende a gestora de Estudos Metropolitanos da Condepe/Fidem, Antonia Santamaria. A pressão é grande, especialmente neste momento em que muitos municípios estão refazendo seus planos diretores para poder receber empreendimentos. Sobretudo Moreno e Escada, inseridos no projeto Suape Global, que visa transformar a região num polo provedor de bens e serviços para as áreas de petróleo, gás, naval e offshore - as novas vocações econômicas de Pernambuco.

Outra questão é cuidar da empregabilidade dos cidadãos. Ipojuca, o terceiro maior PIB do estado e o maior per capita, tem um nível de escolaridade igual ao de um município como Araçoiaba. Para formar mão de obra para o Estaleiro Atlântico Sul, por exemplo, foi necessário promover um reforço escolar de português, matemática e raciocínio lógico para 5 mil pessoas. Tanto o Suape Global quanto o reforço são tentativas de transformar PIB em renda, conforme explicou anteriormente o economista Jorge Jatobá.

Para o diretor de Estudos e Pesquisas Socioeconômicas da Agência Condepe/Fidem, Rodolfo Guimarães, só o crescimento do PIB não basta. Tem que haver desenvolvimento social e distribuição de renda, afinal, o PIB per capita é uma ficção. "Não queremos que essa região aumente sua participação no PIB fazendo crescer também as externalidades", (M.B.)

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Saiba mais


Camaçari (BA)

O polo industrial começou a ser implantado em 1978, tendo a Copene (atual Braskem) como carro-chefe do segundo polo petroquímico do país (o primeiro foi Capuava-SP). O polo abriga ainda a única montadora de veículos do Norte/Nordeste - a Ford - e empresas como Bridgestone Firestone, Caraíba Metais, Continental Pneus, Discobrás, Bahia Pulp, Monsanto, Columbian Chemicals, Peroxi Bahia, entre outras.

Ao longo de sua história, o polo de Camaçari recebeu investimentos superiores a US$ 11 bilhões. Gera cerca 35 mil empregos, sendo 15 mil diretos e 20 mil indiretos. O município possui o maior PIB industrial do Nordeste e o segundo maior da Bahia. Apesar disso, a distribuição de renda nunca foi uma realidade. Camaçari tem um IDH de 0,734, considerado médio.

Macaé (RJ)

Nos anos 1970, Macaé era apenas uma vila de pescadores quando a Petrobras decidiu instalar ali sua base para explorar petróleo na Bacia de Campos. Hoje são 45 plataformas e 30 mil profissionais nas unidades marítimas para umaprodução que em 2009 atingiu 1.750 barris diários de óleo.

Em função do desenvolvimento dessa indústria, especialmente a partir de 1997 (abertura do mercado), a economia da cidade cresceu nada mais, nada menos que 600% em dez anos. Seu PIB per capita, de R$ 36 mil, é 200% maior do que a média nacional. Seu IDH, porém, não evoluiu na mesma proporção - é de 0,79. Reflexo, sobretudo, da imigração de pessoas em busca de trabalho. Como nem todos encontram, acabam ajudando a aumentar o tamanho e a quantidade de favelas.

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