Gastronomia hoje, um blog que comenta os assuntos pertinente a hotelaria, turísmo e gastronomia.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Festas típicas da Alemanha alavancam vendas de salsicha
sábado, 13 de novembro de 2010
Culinária francesa: muito além do 'luxo'

Na imprensa e no cinema, a culinária francesa é sempre associada a sofisticação, elegância e romance. Poucos textos fogem dessa adjetivação. Raramente mencionam, por exemplo, o processo pelo qual se construiu essa imagem de requinte – estreitamente relacionado à própria história de afirmação da gastronomia como arte – e a diversidade de cozinhas existente na França.
"O correto, talvez, fosse dizer ‘gastronomias francesas’, no plural, de tão variada que é essa culinária”, afirma o chef francês Christian Couësmes, sócio-proprietário do Elysée Buffet, que apresentou neste dia 20 de setembro, com a professora Verônica Ginani, da Universidade de Brasília (UnB), a palestra “A Culinária Francesa”, realizada no Centro de Excelência em Turismo (CET) da UnB.
O evento, quarto em uma série do V Ciclo de Palestras Qualidade em Alimentos do CET/UnB, abordou tanto a história quanto os fatores regionais e culturais que a formaram a culinária francesa.
Primeiros passos
Mestre em Nutrição Humana pelo Departamento de Nutrição da UnB e especialista em Qualidade de Alimentos pelo CET, Verônica Ginani iniciou a apresentação com um histórico da culinária desse país europeu, cujo primeiro destaque foi Taillevent (1310-1395), autor do livro Le Viandier e cozinheiro de diversos reis da França. Foi ele que utilizou, pela primeira vez, o vinho no preparo de pratos.
Segundo Verônica, foi durante a Era das Navegações e o Renascimento que ocorreu a maior diversificação da culinária francesa e de toda a Europa, como conseqüência da chegada de ingredientes novos oriundos da América, da África e da Ásia. “Ninguém consegue imaginar, hoje, a culinária alemã sem batatas ou a italiana sem tomates, mas tudo isso veio da América”, comentou. “A reforma protestante, também, foi muito importante para a evolução da culinária, pois enfraqueceu a Igreja, que associava o prazer de comer ao pecado.”
Ela cita como contribuição relevante para a liberação do prazer à mesa o livro De honesta voluptate et valetudine, do italiano Bartolomeu Sacchi, que saiu em defesa da honesta virtude da gastronomia comedida. “Nessa época, a França recebeu influência da culinária italiana, especialmente de Florença, Milão e Veneza, por causa das contínuas invasões que fez a principados da Itália”.
Os grandes chefs

A fundação da cozinha francesa veio, de fato, com La Varenne (codinome de François Pierre), autor do livro La cuisine françois, que pela primeira vez sistematizou algumas receitas e retirou os excessos que caracterizavam a gastronomia da época (fortemente condimentada). La Varenne era chef do “Rei Sol” Luís XIV, que estabeleceu o protocolo à mesa e transformou refeições em grandes espetáculos.
Marie-Antoine Carême, criador da “haute cusine”, expandiu esse legado e transformou o molho no núcleo central da cozinha francesa. Aprimorou, também, a pâtisserie, fixou o comportamento da cozinha moderna (no que tange à higiene e às roupas utilizadas) e inventou panelas e utensílios. Foi cozinheiro do famoso diplomata Talleyrand, tendo preparado, inclusive, o banquete dos aliados durante o Congresso de Viena, em 1814.
Nos séculos XVII e XVIII, a burguesia interessa-se por gastronomia e os chefs passam a cozinhar para fora da corte. Surgem pratos com nomes – dedicados a quem os patrocinava – e, pela primeira vez, a diferenciação entre gastronomia “de elite” e “popular”. Outra novidade da época são os cafés, onde filósofos, artistas e intelectuais se reuniam.
A grande contribuição de Grimod de la Reynière (1758-1837) foi a sistematização de comportamentos: autor do primeiro guia de restaurantes da França, ele criou um manual que descreve deveres recíprocos de anfitriões e convivas; fala de como destrinchar carnes; e da composição de cardápios. Escoffier (1846-1935), conhecido como o “rei dos chefs e chef dos reis”, inova ao criar a “cozinha internacional” – que prima pela produção de pratos de fácil consumo – e por juntar-se a César Ritz, proprietário do famoso Hotel Ritz de Paris, na primeira iniciativa a unir gastronomia a hotelaria.
A nouvelle cuisine surgiu, no século XX, em reação à padronização do paladar engendrada pela cozinha internacional. Procura realçar os gostos regionais, reduzir o tempo de cocção, diminuir o peso dos molhos na culinária e valorizar a “cozinha de mercado” (ingredientes de estação). Surgem, neste movimento, pela primeira vez preocupações de ordem dietética. A criatividade, além disso, passa a ser um componente importante, inclusive na apresentação visual da comida.
Tendências contemporâneas

Segundo Verônica Ginani, uma importante tendência que se firma no século XXI é a contestação da padronização do paladar resultante da globalização, em um movimento conhecido como “terroir”. Trata-se da preocupação com a preservação de produtos e modos de produção locais únicos e insubstituíveis na formação da gastronomia e da cultura de um país, em contraposição aos produtos impostos pelo mercado, por considerações meramente relacionadas a custo. “A identidade cultural desafia a globalização”, diz o terroir, que tem na Confédération Paysanne um de seus principais expoentes.
Por sua exposição histórica, Verônica conclui que a própria evolução da gastronomia e sua sistematização como arte – ou seja, a definição do que vem a ser boa culinária – se processou na França, e não é por outro motivo que a cozinha francesa influenciou a gastronomia de quase todo o mundo e é referência inevitável na formação de chefs, a partir da qual as outras culinárias ganharam instrumental para o próprio desenvolvimento.
Diversidade culinária
Em sua exposição, o ex-diplomata francês Christian Couësmes, chef do Elysée Buffet e representante do Club Taste-Vin em Brasília, procurou realçar os motivos que levam à diversidade da cozinha de seu país. “A culinária reflete a disponibilidade de recursos de cada região”, comenta. “A falta de disponibilidade regular de certos produtos fez que se desenvolvessem métodos de conservação em regiões – como chouriços, chucrutes, queijos, carnes secas e conservas – que resultam em pratos regionais diferentes.”
Christian destacou quatro eixos em torno dos quais a culinária francesa varia: a “França do azeite” x “França da manteiga”; a “França do vinho” x “França da cerveja”; a “gastronomia do campo” x “gastronomia da cidade”; e “tradição” x “abertura”.
Os contrastes da França
Segundo ele, as gastronomias do sul da França (abaixo de uma linha imaginária entre Genebra e Bordeaux) diferenciam-se das nórdicas pelo emprego de azeite de oliva no lugar da manteiga. Outra divisão geográfica é entre as áreas em que predomina o vinho e aquelas em que se utiliza a cerveja como ingrediente da culinária, ao longo de uma estreita faixa junto às fronteiras da França com a Alemanha e a Bélgica.
O contraste entre a gastronomia do campo e da cidade reflete, em grande parte, diferenças de poder aquisitivo. “A gastronomia do campo foi determinada, até 1945, quando tem início o uso do DDT na agricultura, pela disponibilidade de produtos: antes, em alguns anos a colheita era boa, em outros quase nada era guardado. Em decorrência disso, a cozinha do campo sempre foi mais simples, ao passo que na cidade a burguesia tinha acesso a uma diversidade maior de produtos e podia, assim, fazer uma gastronomia mais elaborada.”
Também transformou a culinária francesa a assimilação de influências de outros países, no que se expressa a contradição entre “tradição” e “abertura” (a outras culturas). “A imigração de pessoas residentes em ex-colônias francesas, como a Argélia e o Vietnã, trouxe novidades que foram incorporadas à alimentação francesa. Uma pesquisa recente mostrou que o prato mais consumido na França, atualmente, é o cuscuz marroquino.”
Uma unidade absoluta
Christian revela, entretanto, que existe pelo menos uma unidade absoluta em todo o território francês: o pão, consumido em todas as refeições e com todos os pratos. “Até meados do século XX, a população francesa se alimentava basicamente de pão e sopa. O pão é um emblema nacional e, também, um talher, usado para empurrar a comida durante as refeições, por pessoas de todas as classes sociais e em todas as situações. Em nenhum país existe uma variedade tão grande de pães quanto na França.”
Fonte:
http://www.cet.unb.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=134&Itemid=34
sábado, 30 de outubro de 2010
Uma breve história da gastronomia japonesa, Por Chef Muran

Parte I
Registros indicam que os japoneses iniciaram o cultivo de arroz em campos alagados e tornaram-se uma sociedade agrícola por volta de 2.500 a.C.. Desde essa época, os japoneses passaram a ter como alimento principal o arroz. No séc. VIII, passaram a fazer suas refeições utilizando os “ohashi”, famosos palitos de origem chinesa.
A refeição para os japoneses é constituída do prato principal, denominado “gohan” ou “meshi”, e a dos acompanhamentos, denominada “okazu”. “Gohan” é o arroz cozido sem tempero. “Okazu” são pratos de verduras, peixes e outros, temperados com “Shoyu” ou “Misso” que são condimentos à base de soja fermentada. O ator principal da mesa de refeição é o arroz, rico em carboidrato e proteína de origem vegetal.
Um grande acontecimento na história da vida alimentar dos japoneses foi a introdução do budismo no Japão no século VI, que proíbia a matança de seres vivos. Até então, os japoneses alimentavam-se não só de peixes e crustáceos, mas também de animais silvestres caçados, como veados, javalis e outros.
Era raro criar animais domésticos para fins de alimentação, isso se limitava praticamente à criação de aves (galinhas). Segundo o xintoísmo, as galináceas eram aves sagradas mensageiras de deuses, criadas tanto como despertador quanto para a rinha (luta de galos). Além disso, no Japão não se ordenhava leite de animais domésticos para beber nem havia alimentos derivados de laticínios, como a manteiga e o queijo.
Nos séculos VII e VIII, quando o Estado passa a ser administrado seguindo os preceitos do budismo, os imperadores promulgavam com freqüência leis que proibíam o uso de animais para alimentação. Foi necessário um longo tempo para que o povo se esquecesse do gosto da carne, mas sabe-se que por volta dos séculos XI e XII a proibição já tinha se tornado de domínio público, e as pessoas passaram a sentir peso na consciência ao consumir carnes, principalmente no caso de mamíferos. Com isso, para os japoneses que aboliram a carne, a iguaria mais apreciada passou a ser o prato de peixe. O Japão é um país insular com litoral bastante longilíneo, rico em recursos alimentícios obtidos do mar, como peixes, crustáceos e plantas marinhas e os japoneses assim se tornaram o povo que mais aprecia os pratos de peixe do mundo.
Para os japoneses a maneira mais gostosa de saborear o peixe é o “sashimi”, finas fatias de peixe in natura seridos com raiz forte e shoyu. O peixe que não pode ser servido como “sashimi” porque não está mais tão fresco, é consumido assado normalmente na brasa apenas temperado com sal. Quando o peixe não está mais fresco a ponto de não poder ser saboreado assado é próprio para ser cozido com os temperos como “misso” ou shoyu e sakê, com o acréscimo de condimentos como o gengibre.
A filosofia de arte culinária no mundo preconiza: “Arte culinária significa transformar, com o uso de técnicas criadas pelo homem, em comestível aquilo que não pode ser consumido in natura. Outrossim, arte culinária é a criação de sabor não existente na natureza”. Em contrapartida, a filosofia da arte culinária tradicional do Japão enfatiza algo paradoxal: “O ideal da arte culinária consiste justamente em não se recorrer à arte culinária”. Deve-se limitar ao mínimo possível a interferência da tecnologia no gênero alimentício e deve-se consumi-lo o mais próximo possível do seu estado natural.

Parte II
A estética própria da culinária japonesa desenvolveu-se com base em sua filosofia, isto é, busca-se servir os alimentos em um estado próximo ao natural, sem deixar aparente na superfície as técnicas artificiais. Com isso, descartam-se os pratos cujas cores e formas dos ingredientes se tornam irreconhecíveis por estarem cobertos de molho e faz-se o arranjo dos pratos de modo a valorizar suas formas e suas cores naturais, enfatizando a estrutura assimétrica. Segundo a estética japonesa, o arranjo geométrico e simétrico é evitado por ser pensado como demasiadamente artificial.
Outra peculiaridade da cozinha japonesa é a valorização da sazonalidade.Cada variedade de peixe ou verdura deve ser consumida na época em que apresenta o seu melhor sabor. Dentro de sua mitologia acredita-se que adquirindo de primeira mão as verduras ou peixes de cada estação e comendo esses produtos antes dos outros, podia-se ter 75 dias de vida a mais.
Em 1868, quando foi derrubado o sistema feudal do xogunato Tokugawa vigente até então e houve a consolidação do governo moderno no Japão, foi liberado o consumo de carne. A meta nacional do novo governo era inaugurar as indústrias modernas e formar forças militares modernas para fazer frente aos estrangeiros que queriam colonizar a Ásia. Para isso, havia necessidade de formar trabalhadores e soldados com físico forte e saudável. Os intelectuais da época achavam que a estrutura física franzina dos japoneses, em comparação com os ocidentais, era causada também pelo hábito alimentar tradicional de não consumir carnes e leite, entre outros. Por isso, a população foi incentivada a alimentar-se de carne e a beber leite.
A grande transformação no hábito alimentar ocorreu na década de 1960, quando se inicia o grande crescimento econômico. Com a economia estabilizada, passou-se a utilizar com freqüência a carne, a manteiga e o óleo nos pratos do dia-a-dia, e houve uma diminuição no consumo de arroz.
Saudações Gastronômicas
Fonte:
http://blogdochefmuran.wordpress.com/2009/10/01/uma-breve-historia-da-gastronomia-japonesa-parte-1/
http://blogdochefmuran.wordpress.com/2009/10/05/uma-breve-historia-da-gastronomia-japonesa-parte-2/
Típico japonês, sushi tem seu dia na segunda-feira

Tradição milenar, o sushi é um dos pratos típicos da gastronomia japonesa já bastante popular entre os brasileiros. Nesta segunda-feira (1º), é celebrado o Dia do Sushi. A data é comemorada no Japão e, há alguns anos, também vem ganhando menção em território brasileiro.
O sushi foi criado como forma de conserva: o arroz, envolto em peixe cru, servia para manter o peixe fresco e era descartado. Isso mesmo, comia-se apenas o peixe e o arroz era jogado fora.
Foi somente no século 14, na cidade de Kedo, que ambos começaram a ser degustados juntos, criando uma tradição que perdura até os dias de hoje e é um dos símbolos da gastronomia japonesa. Não há restaurante nipônico, no Brasil, que não sirva a especialidade com as mais variadas e criativas combinações possíveis.
Fonte:
http://receitas.uol.com.br/ultimas-noticias/2010/10/29/tipico-japones-sushi-tem-seu-dia-na-segunda-feira.jhtm
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
DE ESCOFFIER A FERRÀN ADRIÁ - PASSOS PARA COPREENDER A GASTRONOMIA ULTRAMODERNA

O prazer, que é para mim um instante de lucidez, pressupõe o diálogo(...). Se para comer, por exemplo, fossemos retroceder na sucessão das galerias mais secretas, teríamos a tediosa e fria sensação do fragmento do vegetal que incorporamos, e a asa da perdiz rosada seria uma ilustração da zootecnia anatômica. Se não é o diálogo, nos invade a sensação da fragmentária vulgaridade das coisas que comemos Lezama Lima, “Paradiso” O discurso do comestível Convenhamos, é péssimo comer mal. Uma música ou um quadro que nos desagrada provoca menor desconforto do que um alimento que nos causa repulsa. A contrariedade pelo paladar é radical e se deve a uma entrega pessoal desmedida, pois o comer exige uma mediação na qual alguém nos assegura que o desconhecido é bom (menu confiance é expressão da mais absoluta verdade, pois sem confiança não há gastronomia). Que esse alguém seja a mãe diante de uma criança ou o chef cuisine de um sofisticado restaurante não elide a sensação de traição ao nos decepcionarmos quando abrimos a boca. A suavização dessa relação polar requer uma ordem na qual o discurso sobre o comer se erige como constitutivo da fruição.
A gastronomia sempre nos remete ao outro como propiciador de um prazer enunciado. Tomada como arte, como criação portadora de um pathos, de uma aura, ela aparece no Ocidente no período moderno. Data de então a dissolução das cozinhas consensuais, apoiadas na tradição, típicas das comunidades onde predomina, no dizer dos sociólogos, a “solidariedade mecânica”.
Nessa “virada”, inicia-se a aventura dos sabores inusitados. A partir do século XVII, os dissensos que se formam em torno das melhores práticas gustativas, as sensações novas, temidas, perdem o caráter de experiências incomunicáveis e se tornam objetos de um diálogo infinito sobre os sabores. “Há gastronomia quando há permanente querela dos antigos e dos modernos, e quando há um público capaz, ao mesmo tempo por sua competência e por suas riquezas, de arbitrar essa querela” (1) . Já no seu nascedouro a gastronomia é uma perversão: não visa saciar a fome e se projeta como promessa prazerosa escondida além da saciedade.
“As belas-artes são cinco: a pintura, a poesia, a música, a escultura e a arquitetura, cujo ramo principal é a confeitaria”, escreveu Antonin Carême (1783-1833), primeiro artífice do que conhecemos por Grande Cozinha francesa. Em que pese sua história pessoal -criança abandonada pelos pais aos 10 anos de idade, logo se imiscuiu em cozinhas profissionais para aprender um ofício, mas sempre cultivando, nas horas vagas e como autodidata, a sua paixão verdadeira, a arquitetura-, Carême é uma perfeita encarnação do espírito da época, pois oferece à sociedade das cortes uma solução para a compreensão do lugar daquelas práticas e daquele discurso que vinham elevando a mesa à condição de cimento da sociabilidade das elites. A refeição -esse objeto múltiplo, capaz de mobilizar a visão, o paladar, o olfato e o tato- torna-se a força centrípeta de uma grande diretriz do século XVIII: a busca do prazer.
A gastronomia (e frente a ela a culinária se dobra desde fins da Idade Média e o ciclo das descobertas) expressa um saber que se opõe ao poder imediato da natureza; ao dominá-lo e transformá-lo a gastronomia o supera em criação. Essa potência, só conhecida em sua ação e em seus efeitos, é entendida como a manifestação de uma energia que penetra o mundo guiado pela razão.
Sob o império gastronômico a mesa deve oferecer não a naturalidade em forma comestível, mas um espetáculo do engenho humano: “Décors éphémères, obras-primas passageiras da arte decorativa, criadas por mestres confeiteiros geniais e inventivos que deviam ser ao mesmo tempo pintores, desenhistas, modeladores, arquitetos, escultores, floristas. Muitas vezes essas composições monumentais, esses tableaux arabescados requeriam quatrocentas horas de trabalho, sessenta quilos de açúcar e quinze de massa de amêndoas (...) para dissolver-se lentamente, liquefazer-se e acabar no nada” (2) . Mas a arquitetura dos prazeres a que Carême se devotou não se limitou ao aspecto visual e construtivo das suas criações. Atribui-se a ele um papel crucial no desenvolvimento dos molhos e sua técnica, além da criação de alguns que se tornaram verdadeiros clássicos, como o bourgiognonne, o salmis, Robert, supréme e hollandaise.
O objetivo dos molhos -nascidos do jus dos alimentos, quando esses “sucos” dos assados ganham autonomia como problema- é captar e enclausurar a “essência” das matérias-primas com as quais são elaborados, para reapresentá-las em construções rebuscadas. À época de Carême um chef era o cozinheiro que conseguia apresentar sempre criações originais, dignificando os seus mecenas perante seus comensais. A obra de Carême era um testemunho de que, para as artes e as ciências, o “seio da natureza” está sempre franqueado à razão.
Nesse enquadramento iluminista, a história da gastronomia não se diferencia dos demais domínios da alta cultura, isto é, daqueles onde é necessário um conhecimento prévio para compreender o alcance do que é oferecido para promover inovações. Por sua vez, inovações criam polêmicas que, dirimidas, generalizam os pontos de vista vencedores, se banalizam, desembocam na monotonia e criam as condições gerais para novas descontinuidades. Hoje, como ontem, não estamos alheios a tal processo.
Brillat-Savarin, com seu “Fisiologia do Gosto”, foi o primeiro autor a destacar a estreita ligação entre o prazer gustativo e o prazer discursivo; por um lado ele rechaçou o privilégio do nascimento como condição de acesso ao prazer, subtraindo a gastronomia do domínio exclusivo da sociedade das cortes; por outro, erigiu a cultura gastronômica como absolutamente indispensável para a perfeita fruição dos prazeres que o comer pode propiciar. “A gastronomia é um dos principais vínculos da sociedade; é ela que amplia gradualmente aquele espírito de convivência que reúne a cada dia as diversas condições, funde-as num único todo, anima a conversação e suaviza os ângulos da desigualdade convencional” (3) .
Ao ser uma atividade inclusiva, na qual se combinam dotes naturais e faculdades adquiridas, a gastronomia surge da pena de Savarin como um domínio especialmente privilegiado da cultura de transição entre a velha ordem e a França pós-revolucionária. As “maneiras à mesa”, tão crucial nos códigos da reciprocidade que fundamentam a sociabilidade moderna, têm grande impulso quando a própria culinária se torna um objeto discursivo.
Assim, a vida contemporânea deve ao Iluminismo, além da filosofia e das ciências que moveram o mundo moderno, uma nova maneira de vivenciar os prazeres gustativos, ausentes nas fases anteriores da civilização ocidental (muito embora, na China, 3500 anos antes já se praticasse a culinária como “arte”...) e que acabou por se erigir num “sistema”. O “sistema culinário” aponta para um conjunção de práticas e saberes codificados, uma lógica de apropriação da natureza que é partilhada por pessoas em vários tempos e lugares, que reconhecem uma “sintaxe”, domínios de concordância, um vocabulário e regras combinatórias expressas através de práticas de trabalho (receitas), tudo de um modo irredutível a outros sistemas de conhecimento.
A montagem do sistema culinário
Entenda-se: quando dizemos sistema culinário a expressão nos remete à cozinha ocidental, sistematizada ao longo dos séculos XVIII e XIX na França, usualmente conhecida por Grande Cozinha francesa. Num vôo largo, essa cozinha tem pelo menos três grandes momentos, identificados com seus respectivos inovadores: o momento de Antonin Carême, “cozinheiro dos reis e rei dos cozinheiros”, que dominou o período napoleônico, criando e fixando grandes molhos e a estética tributária da arquitetura.
Carême abominava a cozinha do Antigo Regime por práticas como o uso abusivo de especiarias e a mescla de carnes e pescados num mesmo prato. Suas inovações foram no sentido de conferir maior leveza aos cardápios, eliminando os excessos de gordura, introduzindo as sopas como início imprescindível de toda refeição e buscando um equilíbrio calórico entre os pratos.
Carême, considerado “o Napoleão do forno”, serviu a Tayllerand, a Alexandre I e ao barão Rotschild. Deve-se a ele, ainda, a criação do uniforme e do chapéu dos cozinheiros, que definem visualmente a “profissão”, o asseio e a hierarquia que devem presidir o fazer culinário. Modernamente, se algo se pode criticar em Carême, é a presença absolutamente dominante dos molhos, escondendo ou suprimindo o sabor ou aroma natural das carnes e demais produtos neles sub-sumidos. Mas seguramente há, na história da culinária ocidental, um antes e um depois de Carême.
Auguste Escoffier (1846-1935), artífice da cozinha das grandes redes de hotéis surgidas ao final do século XIX e começo do XX (Savoy, Ritz, Carlton etc.), autor do extraordinário “Guide Culinaire” (1902) é quem retoma os ensinamentos de Carême e os adapta aos novos tempos do industrialismo.
Ele simplifica os molhos, sistematiza e generaliza procedimentos técnicos, colocando-os em condições de serem repetidos de forma seriada em qualquer parte do mundo, e propala que a grande virtude de uma cozinha nacional só pode advir da excelência de suas matérias-primas e da formação técnica impecável dos chefs. Sua filosofia culinária é inequivocamente clássica: o fundamento continua sendo os fundos de cocção (especialmente os fonds de vitela, de peixe e de aves), como na grande arte estabelecida por Carême, mas que exigem adaptação aos tempos modernos para continuar imperando (“Os molhos representam a parte capital da cozinha. São eles que criaram e mantém a preponderância universal da cozinha francesa” (4) ) .
Para ele, a afinação do paladar na sociedade submetida a um ritmo “ultra-rápido” exige a revisão técnica e a adaptação às novas circunstâncias de fruição gastronômica. Somente sob essa condição pode a arte culinária sobreviver. Escoffier dirá que o edifício culinário que se erigiu a partir dos fonds -muitas vezes suficientes por si próprios- assumiu dimensões desproporcionais com as exigências de parcimônia dos tempos modernos. A arte culinária, “nas formas de sua manifestação, depende do estado psicológico da sociedade”. Ao invés da celebração cortesã, a mesa moderna deve ser um hiato, uma pausa no “turbilhão dos negócios” que move a sociedade industrial.
A sedução culinária consiste agora em fazer o tempo à mesa afastar-se da sensação de um “tempo perdido” para se converter num tempo mágico capaz de “capturar” o cliente (sujeito ausente na sociedade das cortes) pela fantasia e pela satisfação. Uma criação de Escoffier que bem expressa sua filosofia, é a famosa sobremesa Pêche Melba, que criou para a soprano australiana Nellie Melba: um simples pêssego, colocado por dois segundos em água fervente para tirar-lhe a pele e que é, depois, gelado e servido com um sorvete de baunilha e uma calda quente de amoras (5) .
O terceiro e último grande momento da culinária ocidental vamos encontra-lo já nos anos 70 do século XX, em Paul Bocuse com a sua nouvelle cuisine (ou cuisine du marché). Ela expressa um movimento que conquista uma leveza nova para a cozinha francesa tradicional.
Dirá Bocuse de forma revolucionária: “Já não são necessários esses fonds de molhos, essas marinadas e outras faisandages (...), esses pratos complicados, demasiado preparados, aquelas guarnições que eram lei na cozinha do século XIX. Esta simplificação na preparação dos pratos repercute igualmente nos tempos de cocção. Os pescados, por mais curioso que possa parecer, devem servir-se rosados na carne próxima à espinha. Os pescados estão sempre demasiado cozidos. As vagens devem estalar ao se mastigar e as massas devem ser al dente” (6) .
Bocuse, à diferença de Carême e Escoffier, dirige-se a um público leitor doméstico, sem prévia formação técnica. Seus procedimentos, ultra-simplificados se comparados com Carême ou Escoffier, são compensados por uma ênfase nova na qualidade dos ingredientes encontrados no mercado. Na verdade, o chef não é mais aquele indivíduo portador de uma idéia que, obstinadamente, busca realizar da melhor maneira possível, procurando trabalhar com os ingredientes únicos e insubstituíveis: ele é, agora, alguém que aceita os desafios colocados cotidianamente pelo mercado e pelas estações que definem a oferta de produtos frescos e de qualidade. A rigor, sua maestria está à prova a cada momento...
Outra inovação de Bocuse é a abertura para o mundo e a “desterritorialização” da cozinha francesa: “Podemos comprar os melhores produtos que existem, e não importa onde, graças, entre outras coisas, aos meios de transporte modernos”. Além desse universalismo dos ingredientes (convém lembrar que, para Escoffier, a cozinha francesa é a melhor porque, por sorte do destino, a França produz as melhores matérias primas, o que cria a base objetiva para a ação do gênio inventivo...), Bocuse propugna a necessidade do olhar sobre o estrangeiro: “Creio que é essencial sair ao estrangeiro, para ver o que anda mal dentro de casa. Quanto mais se viaja, mais se vê como os outros não estão inativos, e como progridem.(...). Por isso é necessário ir vê-los. Afinal de contas o ofício de cozinheiro é um ofício de companheiros. É necessário ter dado uma volta pela França, ou quiçá várias, mas hoje quem queira progredir precisa dar a volta ao mundo. Cada vez que viajo a outros países volto com idéias novas. Por exemplo, em Hong-Kong pude apreciar como sabem preparar bem os legumes, quer dizer, cozinhá-los por pouco tempo. Dali trouxe o método de cozinhar as ervilhas. Eu sempre as preparava refogadas em toucinho e cebolas e me dei conta de que, ao cozinhar as ervilhas, assim como as vagens, em água salgada, se obtém algo maravilhoso, e se a nova cozinha francesa reflete a necessidade de meus compatriotas de voltar às fontes da nossa tradição culinária, abre também a perspectiva do que se pode fazer observando os nossos vizinhos”.
Do ponto de vista historiográfico, talvez seja cedo para compreender o alcance da mudança operada a partir da nouvelle cuisine. Apesar disso, é possível suspeitar que ela guardou estreita relação com uma filosofia de vida que se esboçou a partir de 1968, como a “volta à natureza”, o antiindustrialismo etc., e que hoje desemboca na assunção explicita da agricultura “orgânica” como única fonte possível para uma boa culinária.
Georges Blanc, o mais jovem chefe a ser laureado com três estrelas pelo Michelin em 1981, remonta a origem da sua “cozinha natural” vegetariana a 1970, quando os chefes começaram a sentir a “necessidade de uma cozinha leve”. O seu mergulho pessoal em direção à simplicidade da vida camponesa, a uma idealizada cozinha de sua avó (7) , é a resposta que encontrou a uma necessidade que entendia como geral. O despojamento para reencontrar a natureza, sem as mediações da grande indústria de alimentos, recuperou a dimensão artesanal da atividade.
Outras inovações importantes seguiram-se a Bocuse. Ele declaradamente não atribuía importância à apresentação dos pratos, à sedução visual, mas os demais seguidores da nouvelle cuisine acabaram por se entregar de corpo e alma à estética oriental, retomando o japonismo que já estivera presente em vários domínios estéticos da cultura ocidental um século antes. Também decorre desse influxo modernizante a reconsideração da culinária italiana que, desde o século XVIII, sempre cultivara uma leveza e uma simplicidade pouco valorizadas à época de Carême.
A crise do sistema
A esses três grandes momentos se opõe a fusion cuisine, surgida da idéia de “esgotamento” da nouvelle cuisine. Na fusion é justamente a busca de ingredientes inadaptados aos procedimentos da cozinha ocidental, porque deslocados do seu lugar em outros sistemas culinários (especialmente orientais), que move os chefs no caminho de experiências culinariamente insólitas.
O crítico gastronômico da “The New Yorker”, Arthur Lubow, nos oferece um dos melhores insights sobre a questão. Ele toma como exemplo a relação da culinária ocidental com a indiana, especialmente nos Estados Unidos, onde a fusão indiano-francesa experimentou um boom no final dos anos 90.
Vários chefs passaram a utilizar ingredientes da cozinha indiana sem respeitar as tradições e a filosofia correspondentes: o feno grego (Trigonella foenum-graecum), que é uma semente de sabor amargo e bastante tóxica -um dos componentes do curry- é então empregado indiscriminadamente em saladas e frutos do mar, assim como os grãos de mostarda crus; o óleo de canola substitui as gorduras típicas das várias cozinhas indianas (gordura de coco, óleo de mostarda e manteiga clarificada -o famoso ghee); a curcuma (Curcuma longa), que de condimento passa à condição de corante e assim por diante.
Para Lubow, o modismo contribui para o empobrecimento da cozinha indiana, e cita um exemplo: o cominho -o mais popular ingrediente utilizado nos restaurantes da fusion cuisine- pode ser utilizado cru ou torrado ou, ainda, frito em óleo. Cada uma dessas utilizações na cozinha indiana é radicalmente distinta das demais. A utilização crua e abusiva torna-se kitsch. Assim, a Índia, que há tantos séculos vem emprestando aromas e sabores ao Ocidente, popularizada pelo uso do curry, sofre um autêntico atentado nas versões pós-modernas da culinária em voga nos EUA (8) .
A tese de Lubow é que as ricas e diferenciadas cozinhas do Kerala, de Bengala e do Punjab são “assassinadas” nas mãos dos chefs movidos pelo incontrolável desejo de inovar sem ter a imprescindível cultura e o conhecimento suficiente da Índia para compreender a inserção das suas várias cozinhas nos modos de vida correspondentes. A crítica de Lubow à desconstrução culinária nos remete à linguagem estruturada que ela é, cujas regras precisam ser conscientes para se chegar ao bom resultado da criatividade. “Uma simples especiaria pode ser tocada como um violino, produzindo glissando ou pizzicato, conforme o desejo do maestro”, diz.
De fato, a linguagem musical fornece uma boa analogia para a arte culinária e poderíamos dizer que, no mundo moderno, há nela uma permanente tensão entre a construção sinfônica e a construção jazzística. A Grande Cozinha francesa caminhou, pelas mãos de Carême e Escoffier, no sentido sinfônico: uma grande refeição possui uma abertura, os vários andamentos, as tensões, contrapontos e o finale -tudo segundo a harmonia ditada pelos molhos. Mesmo o trabalho dos grandes chefs inovadores visando permitir a emergência dos sabores naturais dos ingredientes, não desestruturou essa lógica.
Por outro lado, a “vertente jazzística” se revela quando observamos as grandes linhas de formação do repertório culinário ocidental. Constatamos ai uma incansável apropriação de produtos novos e a sua reinterpretação no sistema culinário, sem jamais abalar seus fundamentos. Assim foi com o milho, a batata, o tomate, as pimentas, o açúcar e todas as especiarias das “índias ocidentais e orientais”. Esse processo, cujo andamento é dado pela formação e disseminação das “modas”, sempre leva à exaustão das possibilidades criativas e à monotonia, obrigando a um debruçar-se sobre outros “estoques” naturais.
Como o jazz, a culinária ocidental precisa se alimentar de novos “ritmos” para se manter viva e dinâmica (9) . Essa característica de sistema “aberto”, capaz de assimilar e reinterpretar os elementos exógenos, é o que o singulariza (10) e projeta a culinária ocidental como um grande aparelho de deglutição do mundo. Outras são as lógicas das cozinhas orientais, constituindo sistemas à parte.
Tropicalização do gosto
As considerações anteriores servem para interrogar um novo élan que se percebe, entre nós, por toda parte. De repente, o Brasil parece pronto para um salto de qualidade na sua gastronomia.
Um ânimo novo comanda os espíritos: a classe média se dá conta de que cozinha não é “apenas” o lugar de batuque; as universidades oferecem cursos “superiores” de culinária; as editoras descobrem um novo filão, ainda que não se arrisquem a editar os verdadeiros clássicos do gênero; o boom dos gadgets de precisão transforma a cozinha no coração hi-tec da casa; centenas de novos bistrôs pipocam no eixo Rio-São Paulo e fora dele; cursos de culinária para amadores povoam as noites paulistanas; as revistas especializadas multiplicam-se. Há a sensação de que um país moderno necessita uma gastronomia desenvolvida. Mas o que pode ser o desenvolvimento gastronômico brasileiro nas condições atuais?
Seguramente há dois caminhos fecundos seguidos ou a seguir: o da imitação e o da criação. Uma breve consulta aos guias culinários paulistanos registra não mais do que 5 restaurantes de “cozinha brasileira” -sempre ancorados na “tradição”- contra mais de 20 franceses e mais de 30 italianos, em sua maioria “inovadores” (isso para ficarmos apenas nas principais categorias).
Uma indigência nativa que contrasta com a propalada biodiversidade nacional. Afinal, somos ricos apenas em natureza incomível ou falta-nos algum ingrediente para extrair das riquezas naturais novas possibilidades gastronômicas?
Ora, num mundo onde a pantofagia é celebrada como aventura crítica (11) , a questão não é de nacionalismo culinário. Ao contrário, a dimensão imediatamente universal é dada pelo fato de que a fusion cuisine tem ocupado um espaço respeitável de uns cinco anos para cá e nos lança, ao menos como metáfora, um desafio: uma fusão com a nossa própria singularidade, do nosso superego culinário afrancesado com o nosso id tropical...
Fernão Cardim e Gabriel Soares de Sousa, cronistas coloniais, dão notícias de um Brasil bem mais comestível do que hoje percebemos. Brasil no qual o colonizador tinha como norte comer “tudo o que índio ou macaco comiam”. País enriquecido pela recepção de frutos orientais que, como a manga, foram domesticados em Goa no século XVI, sob os auspícios do médico e cristão-novo Garcia da Orta, e depois transplantados para cá. Médico ilustre aquele Orta, cujos feitos foram celebrado em versos por Camões:
Verdes que em vosso tempo se mostrou
O fruto daquella Orta onde florecem
Plantas novas, que os doutos não conhecem.
Olhai que em vossos annos
Produze huma Orta insigne varias ervas
Nos campos lusitanos,
As quaes, aquellas doutas protervas
Medea e Circe nunca conheceram,
Posto que as leis da Magica excederam.
Não é por falha da natureza que nossa gastronomia moderna há de ser de importação (12) . Afinal, a globalização do gosto no Brasil iniciou-se bem antes dessa que hoje parece novidade.
A rigor, o desafio de hoje não advém dos princípios que regem a fusion cuisine, mas das dificuldades constitutivas da renovação culinária. Uma delas é o debruçar-se sobre a natureza com o mesmo espírito iluminista que deu origem à Grande Cozinha, quando a potência da razão humana rompe os limites do mundo da experiência para deitar cidadania no mundo empírico; outra é o diálogo sempre difícil -quando não impossível- entre sistemas culinários diferentes, como os que nomeadamente compõem nossa tradição: as culturas indígenas, a herança negra e a ocidental ibérica.
É a base fraca, doméstica, de desenvolvimento culinário que abre um espaço bastante grande para o mito das “três cozinhas” como constitutivas da cozinha brasileira. Trata-se de um mito de origem, derivado da representação do brasileiro pelos modernistas de 22.
A convivência entre sistemas irredutíveis uns aos outros é absolutamente diversa, por exemplo, daquela entre as cozinhas regionais italianas ou francesas, todas integrantes de um mesmo sistema, apesar das particularidades locais e da variedade de matérias-primas e preparações que constituem suas marcas distintivas. Por analogia, podemos dizer que as tradições das “três cozinhas” brasileiras são como línguas diferentes, ao passo que as cozinhas regionais européias -francesas, italianas etc.- são como dialetos de uma mesma língua.
Entre nós, a chamada cozinha mineira, mesmo com grande proximidade com a cozinha portuguesa camponesa, não chegou a ser hegemônica. A cozinha baiana é dessas “tradições inventadas” (13) e nunca perdeu o aspecto ritual do seu consumo, oriundo do candomblé, o que dificultou a sua generalização. Apesar disso, a sua riqueza compilada (14) é significativamente maior do que a prática culinária de cunho comercial que ensejou.
Já a tradição indígena é ainda mais complexa. Além do que deixou de influência duradoura no Pará, talvez só em São Paulo, pela extrema pobreza dos modos de vida até a fase do café e da industrialização, a sua influência tenha sido grande embora transitória. Mesmo assim, estudos recentes indicados por Evaldo Cabral de Melo mostram que a mandioca e o milho não foram, nos primeiros tempos, de uso tão generalizado como normalmente se crê, persistindo o largo uso do trigo (15) .
A razão pela qual nos movemos mais no terreno mitológico do que propriamente culinário ao falar de cozinha brasileira deve-se ao fato de que não houve, até hoje, uma pesquisa histórica consistente que pusesse às claras o repertório culinário dos últimos 500 anos de alimentação. E, se essa pesquisa nunca aconteceu é porque jamais houve uma disputa hegemônica nos modos de fazer, interagir e simbolizar adotados pelas elites dominantes. Elas, que sempre olharam para Europa e, depois, para os EUA, numa perspectiva de imitação, reservaram um grande desprezo para o que pudesse cheirar a “nativo”. Uma tradição colonial bem diferente, por exemplo, da mexicana, onde o vigor culinário advém da valorização da tradição pré-colombiana na construção da hegemonia burguesa “criolla”.
Assim, a valorização desproporcional da cozinha mineira face às demais, mesmo sendo ela uma cozinha decalcada numa das cozinhas européias menos modernas, explica-se por essa vontade de ser europeu que atravessou os tempos.
A cozinha de origem indígena, que só deitou raízes no Norte, apresenta ingredientes bastante singulares, compostos de vasta relação de frutas, peixes e ervas da região. No entanto, refletem o ecossistema amazônico, o que não cobre a totalidade da variedade de tradições indígenas do território brasileiro.
Todas essas limitações indicam a vastidão do campo de experimentações gastronômicas que desafiam a culinária no país. Mas, à medida que a tradição é valorizada em detrimento da experimentação -e a razão econômica forte para isso é que as cozinhas regionais se tornaram tributárias da indústria do turismo, como elemento atrativo local-, o caminho seguido parece ser o de afastamento crescente do cotidiano do brasileiro, abrindo passo para as cozinhas étnicas de outros países, apoiadas nas comunidades de origem que possuem representação populacional expressiva nos principais centros urbanos (16) .
Comportamentos elitizados também têm grande responsabilidade sobre o estado da gastronomia brasileira. Um deles é a idéia de “exclusivo” que se perpetua no espírito de confrarias com feições aparentemente modernas. A agregação de “iniciados” em espaços apartados daqueles onde se trava o discurso geral da sociedade sobre a culinária consome energias que, em outro contexto, poderiam verter para o benefício geral.
Nesse terreno facilmente desenvolve-se o saudosismo, que contamina mesmo a imprensa gastronômica, voltada para estéreis celebrações da “cozinha imperial brasileira”, da preparação do menu do último baile da Ilha Fiscal, dos cadernos de culinária dos Orleans e assim por diante. Uma espécie de monarquismo culinário entrava o aburguesamento do gosto num pretenso refinamento das elites.
Outro fator que contribuiu para o subdesenvolvimento gastronômico, numa outra versão do mesmo culto ao “exclusivo”, foi a persistência da noção de “segredo”. A culinária é um domínio onde convenções internacionais não reconhecem o copyright de receitas ou criações, no entanto a noção arcaica de segredo ainda tem cidadania entre nós.
O “segredo” parece ter se formado na tradição ibérica e se propagado pelas Américas a partir do século XVI, através da disseminação dos conventos femininos que duram até a extinção dos morgadios, no século XIX. Num ambiente extremamente competitivo, quando os conventos disputavam os favores reais, a guarda zelosa dos “cadernos de receitas” das freiras era a garantia da posição que desfrutavam no conceito da corte.
O segredo protege especialmente a doçaria. O uso sensual do açúcar diferencia a postura católica das atitudes espartanas e anoréxicas dos calvinistas e luteranos e transforma esses centros de devoção em espaços de grandes celebrações gastronômicas (17) . Em que pese o papel dos conventos no desenvolvimento da culinária barroca, o “segredo” logo se secularizou. Transladado especialmente para o Brasil e México, não tardou para o costume ganhar as famílias senhorias, transformando os “cadernos de receitas” em parte relevante do dote das noivas.
Esta atitude, é compreensível, logo passou para a escravaria dedicada à cozinha, gerando a figura valorizada das “negras quituteiras”, de forma a que o segredo passou a presidir o desenvolvimento da culinária nacional ao menos até o século XIX e o advento dos primeiros livros sobre o tema, como “O Cozinheiro Imperial” e “O Cozinheiro Nacional”. Não é por acaso também que o livro mais célebre de culinária, editado no Brasil do século XX, chama-se “Dona Benta” e se apóia na mitologia da velha que “ensina segredos” para as futuras donas de casa.
Outro livro de sucesso nos anos 40-50, “Comer Bem”, também tinha o mesmo enfoque. Apesar desses livros que iluminam as práticas culinárias, são poucas as pesquisas sobre o que o brasileiro efetivamente comia, e é notável a sobriedade dos cardápios em São Paulo, segundo uma rara pesquisa feita em vários bairros e classes sociais nos anos 40 do século passado. Sopas simples, arroz, feijão, pão branco, carne de vaca, alguns legumes, batata inglesa, algumas poucas frutas, raras compotas -é o repertório usual em Higienópolis, Pacaembu, Mooca, Canindé, Jardim América ou Bexiga (18) .
Assim, o ingresso do país na modernidade gastronômica só se deu nos anos 80 do século 20. Como a universidade, que teve a sua “missão francesa” civilizatória, a gastronomia também teve a sua, através da valorização do trabalho de alguns chefs francofônicos que, entre nós, começaram a praticar uma culinária com fortes traços de nouvelle cuisine.
Laurent, Quentin e Claude Troisgros foram os pioneiros dessa nova onda. Eles praticaram uma criativa “cozinha metafórica” (e, às vezes, “metonímica”...): o tradicional pato com laranja cedeu lugar ao pato com jabuticaba, com manga, com maracujá; criaram bavaroises de frutas nativas; valorizaram os tubérculos brasileiros etc. Ainda há pouco, Claude Troisgros apresentou sua mais nova criação: um linguado com banana, o que para os informados sobre os hábitos culinários populares é uma simples translação do peixe com banana frita, tão popular no Pantanal.
A importância dessa geração de chefs foi evidenciar a falta de preparo técnico dos responsáveis pelas cozinhas dos restaurantes e hotéis (19) e, por outro lado, chamar a atenção do grande público sobre a riqueza gustativa inexplorada do país.
Além disso, como indivíduos da classe média européia, começaram a despertar nos brasileiros de condição social equivalente a curiosidade pelo fazer culinário. Muitos desses se aventuraram no setor nos anos 80; o Senac dedicou maior atenção à formação de profissionais de cozinha e, já nos anos 90, delineia-se o movimento de euforia profissional que hoje se vive. Não é fácil, porém, prever o desenvolvimento dessa tendência.
Por um lado, a globalização dos mercados avançou, atenuando as distâncias, e uma forte linha de sofisticação ganhou peso com a importação de ingredientes da grande cozinha, como o foie gras e o tartufo bianco -para citar os paradigmáticos.
Esse é um caminho elitizado, consoante uma tendência internacional, sem dúvida mais “acessivel” agora do que quando a fruição que enseja dependia de viagens ao exterior. Num sentido diverso, jovens chefs -como Alex Atalla- investem uma boa dose de energia em estudos e pesquisas de ingredientes brasileiros.
A primeira tendência, ainda mais forte, se apóia no indiferentismo das elites frente as coisas do país, entregando-se a prazeres comprovados e sem riscos. A segunda encontra fortes obstáculos ao seu desenvolvimento no tratamento ainda artesanal dos ingredientes com potencial inovador, bem como por sua dispersão pelo território: não se pode, por exemplo, encontrar o jambu (20) do Pará senão nas feiras locais; os peixes de rio não chegam às feiras e mercados dos grandes centros urbanos; as frutas amazônicas, do nordeste ou centro-oeste se restringem aos mercados locais; apenas recentemente o Ibama descriminalizou o consumo de animais nativos criados em cativeiro etc.
Essas condições objetivas, de natureza econômica e cultural, deixam apenas uma fresta por onde desenvolver uma “redescoberta” dos sabores brasileiros.
1 - REVEL, Jean-François, "Um Banquete de Palavras: Uma História da Sensibilidade Gastronômica", São Paulo, Companhia das Letras, 1996, pág. 178. O autor lembra também que a palavra “gastrônomo” só aparece no início do século XIX.
2 - CAMPORESI, Piero, "Hedonismo e Exotismo: A Arte de Viver na Época das Luzes", São Paulo, Editora Unesp, 1995, pág. 84.
3 - SAVARIN, Brillat, "A Fisiologia do Gosto", São Paulo, Companhia das Letras, 2001, pág. 143.
4 - ESCOFFIER, Auguste, "La Guide Culinaire", Flammarion, Paris, 1993, pág. 4.
5 - Escoffier se aborrecia sempre que se apontava essa sua delicada criação como a origem do popularíssimo ice cream sundae (“Qualquer variação nesse delicado equilíbrio de sabores é a sua ruína”, dizia).
6 - BOCUSE, Paul, "La Nueva Cocina Francesa de Paul Bocuse (La Cuisine du Marché)", Buenos Aires, Editorial Crea, 1979, pág. 9.
7 - BLANC, Georges, "The Natural Cuisine of Georges Blanc", Webb & Bower, New York, 1987.
8 - LUBOW, Arthur, “Lo, the Poor Indian: a food critic views the americanization of subcontinental cuisine with some regret”, "Slate", 15 de janeiro de 1998, www.slate.com.
9 - Hoje em dia podemos prever que a melhoria e transformação genética são outras possibilidades de repertório, haja vista o exemplo do recém “desenvolvido” riso nero, a partir do secular “arroz do imperador’, oriundo da China. Ainda não existem, para sua utilização, mais de meia dúzia de receitas...
10 - Claude Levi-Strauss oferece uma instigante análise desse processo em seu ensaio "Raça e História".
11 - STEINGARTEN, Jeffrey, "O Homem Que Comeu de Tudo", São Paulo, Companhia das Letras, 2000. O autor também encontrou os seus “limites” em comidas azuis e em sobremesas indianas que diz terem textura e gosto de creme facial.
12 - Para um simples inventário natural consulte-se CAVALCANTE, Paulo B., "Frutas Comestíveis da Amazônia", Museu Paraense Emilio Goeldi, Belém, que indica 176 frutas comestíveis, catalogadas na região. Consulte-se ainda PEREIRA, Huascar, "Pequena Contribuição para um Diccionário das Plantas Úteis do Estado de São Paulo (indígenas e aclimatadas)", Typographia Brasil de Rothschild, São Paulo, 1929, para a riqueza original de São Paulo na mesma matéria. Apesar dessa diversidade, vivemos uma autêntica regressão: frutos exóticos como o abricó (Mammea americana) ou a fruta-pão (Artocarpus altilis), de uso corrente em outras épocas, simplesmente deixaram de ser consumidos na escala que o foram.
13 - Conforme Câmara Cascudo, ela só passa a existir na segunda metade do XIX, a partir da unificação dos cultos africanos do candomblé.
14 - Consulte-se especialmente a obra de Manuel Querino, "A Arte Culinária na Bahia", e "A Cozinha Baiana", de Darwin Brandão.
15 - MELLO, Evaldo Cabral de, “Nas fronteiras do Paladar”, "Mais!", "Folha de S. Paulo", 28/05/2000.
16 - Pela importância, além da italiana, sente-se o peso da árabe e da japonesa.
17 - Ver a respeito o interessante ensaio de SARAMAGO, Alfredo, "Doçaria Conventual do Alentejo: As Receitas e o Seu Enquadramento Histórico", Sintra, Colares Editora, 1993.
18 - PIERSON, Donald, "Hábitos Alimentares em São Paulo", "Revista do Arquivo Municipal", ano X, vol. XCVIII, São Paulo, 1944.
19 - Como sempre, havia as exceções de praxe: o Grande Hotel Cadoro em São Paulo, o Copacabana Palace e o Ouro Verde, no Rio de Janeiro, pertencentes à velha “grande tradição”, talvez ainda inspirada por Escoffier.
20 - Uma espécie de agrião selvagem, presente em pratos com tucupi, da tradição amazônica.
Carlos Alberto Dória
É sociólogo, consultor e autor de livros como "Ensaios Enveredados", "O Cangaço" e "Bordado da Fama".
http://www.martinfierro.com.br/curso/subdesenvolvida.html
História da cozinha do sudeste asiático

A comida do Sudeste Asiático, se caracteriza por uma mescla de sabores e pela combinação de elementos das mais antigas e tradicionais culinárias: a indiana e a milenar cozinha chinesa. Os fatores religioso e cultural, também são fundamentais na construção de um hábito alimentar, assim como os climáticos e sociais. A região do Sudeste Asiático, esteve à mercê de diversas influências culturais e políticas de diferentes povos, em diferentes momentos de sua história, desde os árabes (que levaram o Islã para alguns lugares da região), até portugueses, holandeses, ingleses, franceses e os já citados vizinhos chineses e indianos.
Os temperos e o paladar local, são resultado de um refinamento e da combinação de elementos trazidos por todas estas culturas, um ótimo exemplo disto, é o largo uso da pimenta vermelha (dedo de moça) que foi trazida até a região pelos portugueses no século XVI, até então a pimenta do reino era a mais usada. No Vietnam, antiga Indochina francesa, as influências européias estão muito presentes na comida, entretanto, esta influência é muito recente, resultado do período colonial (século XIX), quando as potências européias exerceram sua hegemonia na região em sua sede por matérias primas para suas crescentes indústrias e mercados consumidores. A região ficou sobre a hegemonia de potências como: Inglaterra (Índia, Paquistão, Malásia, Singapura e Birmânia), Holanda (Indonésia), França (Vietnam, Laos e Camboja). A Tailândia, na época era o chamado Reino do Sião, permaneceu independente, sua culinária sofreu influencias européias também, mas por não ter passado por uma colonização sistemática como alguns de seus vizinhos, manteve-se com uma identidade mais acentuada.
Podemos dizer que na culinária do Sudeste Asiático existe uma harmonização de três sabores: o apimentado, o ácido e o doce, o que reflete um refinamento na combinação de sabores e texturas. O milenar arroz proveniente da Índia com todas suas variedades, é uma das bases mais importantes da alimentação asiática, sendo largamente plantado e consumido das formas mais diversas, doces, salgado e em forma de farinha. O mesmo se deu com a soja proveniente da China, convertida em inúmeros produtos que vão do shoyo ao óleo. Incontáveis legumes, frutas e verduras em comum, são produtos de intenso intercambio entre os diferentes povos que passaram pela região e deram a sua contribuição.
Hoje em dia a cozinha do Sudeste Asiático ganha cada vez mais adeptos ao redor do mundo, destacando-se como uma das novas e inovadoras vertentes da cozinha internacional. No Brasil ja existem alguns restaurantes com bom reconhecimento, avaliados por estrangeiros e nativos da região, como tive a oportunidade de comprovar nos quatro anos que tenho trabalhado no Lagundri, recebendo inúmeros clientes que são conhecedores e apreciadores desta comida.
http://www.espacogourmetgastronomia.com.br/index.php?modulo=4&acao=detalhe&cod=569
Risoto

O risoto caiu no gosto do brasileiro, inclusive em nós, curitibanos por ser um prato rápido, prático e que permite ao chefe de cozinha profissional ou amador explorar sua criatividade.
Se você simplesmente convidou alguns amigos para um jantarzinho informal em casa ou apareceu aquela visita de última hora, normalmente o cunhado, o risoto com certeza será a sua salvação. Fica pronto em menos de meia hora e pode ser preparado com o que estiver na geladeira.
Mas para ter certeza que seu jantar seja bem falado pelos convidados, nada de usar arroz branco! Para risotos recomendo o uso do arroz arbóreo ou então o carnaroli, são tipos de arroz especiais que liberam amido durante o cozimento e deixam o risoto cremoso como deve ser.
Também é importante cuidar do tempo de cocção, na Itália varia entre 13 a 15 minutos quando utilizamos o arbóreo e entre 14 a 17 minutos quando utilizamos o carnaroli, mas esses tempos de cocção acabam ficando muito al dente para o nosso paladar, sempre recomendo aos alunos do Espaço Gourmet que cozinhem o risoto por 20 minutos (arbóreo) e 24 minutos (carnaroli). Assim, o risoto ficará cremoso e al dente o suficiente para agradar gregos e troianos, quer dizer, brasileiros e italianos.
Vale lembrar que esses tipos de arroz não precisam ser lavados, caso faça isso, perderá o amido.
Use um bom caldo fresco, abra uma garrafa de vinho e divirta-se na cozinha com seus melhores amigos.
Fonte:
http://www.espacogourmetgastronomia.com.br/index.php?modulo=4&acao=detalhe&cod=14904
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
O que realmente caracteriza a cozinha contemporânea?

Cozinha Contemporânea é a cozinha praticada hoje nos grande centros urbanos. Tem como principal característica a sua flexibilidade na forma de preparar e apresentar os pratos. Sua origem está nas tradicionais cozinhas que conquistaram o mundo: a francesa, a italiana, a espanhola, a portuguesa, a árabe, a oriental e a brasileira.

A Cozinha Contemporânea permite reunir elementos de várias tradições culinárias num único prato. Ela faz uma síntese das culturas predominantes. É criativa, fresca, multicolorida, cheirosa, alegre. É como as pessoas que vivem e convivem num ambiente multicultural, multiracial. Busca o melhor de cada cultura e o adapta com a praticidade exigida nos dias de hoje e às disponibilidades do mercado e da estação.
Praticar a Cozinha Contemporânea tornou-se possível com a distribuição global de produtos agrícolas e por causa do domínio tecnológico que o homem obteve na relação sobre clima e solo. Este avanço permite encontrar produtos de origem longínqua em lugares nunca antes imagináveis.
Os apreciadores da boa cozinha podem beneficiar-se deste avanço e obter condimentos, peixes, aves, leguminosas, carnes, frutas, produtos lácteos em qualquer época do ano, em qualquer lugar. Por isso, a Cozinha Contemporânea também é a "cusine du marché", como dizem os franceses, pois busca o melhor em cada estação, procurando usar produtos no auge de seu frescor e exuberância. Em sua essência, lembra a casa de algum antepassado, mas se apresenta moderna, atual e cativante.
Fonte: http://www.orquestradepanelas.com/cozinha.htm
Contemporânea desde de sempre?

Por Eduardo Sena Pé na Ilha - Colher de Pauta
Nesta segunda parte da série de reportagens sobre a Cozinha Contemporânea em Recife será discutido o conceito de contemporaneidade aplicado na cozinha. Trata-se de uma questão de tempo ou de rótulo?
A harmonia sempre foi marca das práticas alimentares da humanidade no decorrer de sua existência. Quando o homem jogou a primeira erva sobre a mais remota carne, a humanidade progrediu. Passava de mera alimentação a culinária. O ser humano foi se reequacionando as novas descobertas, gerando uma mostra gastronômica de seu tempo. Sob esse aspecto, a cozinha contemporânea é a denominação da comida feita em sua época. Porém, definir essa vertente gastronômica com essa ideia é resumir grosseiramente a questão, pois estamos falando de uma cozinha evolutiva que se habitua às tendências uestão, pois estamos falando de uma cozinha evolutiva que se habitua às tendências.
Muito embora, essa vertente gastronômica começa quando surgem no mundo, nos idos 1450, as grandes navegações da era moderna. Ibéricos e ingleses começam a sair pelo mundo anexando colônias e com isso, unindo ingredientes e culturas culinárias. Na história do Brasil, a chegada dos portugueses com novos insumos e formas de cocção também foi marca dessa evolução da gastronomia brasileira, até então baseada nos insumos indígenas.
Na época do Brasil Colônia, as sinhás como alternativa para a ausência dos ingredientes lusos, promoveram a substituição pelos insumos nativos, obtiveram famosas receitas que sobrevivem até hoje. “Acontece que naquele momento, as sinhás estavam preocupadas em fazer uma cozinha doméstica, era uma questão de necessidade, e não de negócio”, lembra Bruno Albertim. Dona Rita de Cássia Souza Leão desprezou o trigo importado e a manteiga francesa em privilégio da massa de mandioca e da manteiga produzida com o leite nativo do engenho. Pela primeira vez, um bolo de aristocracia canavieira nordestina preteria o trigo europeu a despeito da massa nativa da mandioca dos índios. Entraria para a história, portanto, como uma espécie de grito de independência culinário.
Como conseqüência desses experimentos, o século 17 já possuía fortes características do que viria a se chamar posteriormente de globalização. Fortemente marcada pelos reflexos do movimento global na cultura alimentar, as práticas alimentares pós-modernas se tornaram vítimas desse processo. Cardápios de todo o mundo vêm sofrendo padronização e interferências de sabores. Posto isso, cada vez mais, e em qualquer lugar do mundo, as pessoas buscam valorizar o que se chama de cuisine du terroir, cozinha do terreiro. Ou seja, o comensal procura especialidades na mesa. “Dão valor ao queijo de cabra que só existe no sul da França, porque é único. Procuram uma manteiga de garrafa que só é encontrada com ótima qualidade no interior de Pernambuco. Assim, o mundo tem acesso facilitado a tudo o que o universo produz. Os gostos se uniformizam, e a comida global vira local, e o contrário também é verdadeiro”, explica Bruno Albertim.
Como conseqüência direta da globalização na mesa, não há mais grandes sustos culinários quando se viaja de um lugar para o outro. Para a chef Luciana Sultanum, na medida em que há uma uniformização desse gosto, as coisas que são peculiares, e que não tinham muito valor porque eram regionais, acabam aparecendo sobre o olhar do ineditismo e da peculiaridade. “O regional acaba aparecendo com essa grife de especial. Decididamente híbrida, a cozinha contemporânea aposta nessa tendência para conquistar o público, reunindo em um só prato emblemáticos insumos mundiais”, argumenta Sultanum.

Uma questão de rótulo - Segundo o dicionário Houaiss, contemporâneo significa aquilo inerente ao nosso tempo, ao presente momento. Mas, dentro da cozinha, tal conceito se aplica de forma diferenciada. Como gênero gastronômico, de fato, a cozinha “contemporânea” não tem mais do que dez anos. Herdeiros do espírito da nouvelle nuisine, na França, Claude Troigos e Laurent Saudeu são os responsáveis por implantar no Brasil a doutrina de cozinhar de forma criativa e audaciosa. Desde então, a cozinha brasileira foi evoluindo, mas não existia uma preocupação deliberada de batizá-la, apenas enxergavam-se as novas formas de se produzir como uma novidade. “Hoje, Claude Troigos e Laurent Saudeu só são considerados patronos desse movimento de cozinha contemporânea no Brasil, porque percebeu-se que eles deram origem a uma alta gastronomia extremamente tropical e brasileira. Mas na época a comida produzida por eles era apenas diferenciada”, opina o chef Duca Lapenda.
Foi assim com a nouvelle cuisine, na França, nos anos 80, e está sendo com a contemporânea, hoje. “O que se chamava de fusion, hoje é contemporâneo”, ressalta Lapenda. Nomenclaturas a parte, a cozinha contemporânea ainda não possui traços tão sólidos que a farão ser lembradas com esse rótulo daqui a uma década, por exemplo. “Hoje já se fala em cozinha molecular, cozinha de espumas. Pelo significado literal elas serão contemporâneas daqui a 10 anos, mas, muito provavelmente não se utilizará mais esse conceito”.
Assim como em outras épocas estavam em voga a nouvelle cuisine e o slow food, a gastronomia contemporânea está na moda. Outras expressões já estão nascendo, à exemplo da gastronomia molecular, do chef catalão Ferran Andriá e cozinha high-tech. É apenas uma necessidade, dos jornalistas que cobrem o assunto, de conceituar as novas cozinhas que nascem. Questionado se a cozinha moderna aponta para essa nova vertente como uma tendência exclusiva e definitiva, Andriá descarta hipótese “Haverá sempre diferentes padrões na prática do cozinhar. Tendência mesmo é saber elaborar alimentos diferenciados, com restrições importantes constituintes como gorduras e açúcares”, setencia.
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
A GASTRONOMIA FRANCESA: DA IDADE MÉDIA ÀS NOVAS TENDÊNCIAS CULINÁRIAS


Carlos Roberto Antunes dos Santos
DEHIS/SCHLA/UFPR
Falar da gastronomia na França, do ponto de vista do historiador, significa buscar suas origens, explicar a sua reputação, destacar as relações que ela mantém com as diversas produções alimentares inter-regionais e transnacionais e as suas tendências diante das novas culinárias hoje presentes, como a cozinha molecular.
A indiscutível supremacia da cozinha francesa através da História Moderna e Contemporânea nos leva às suas origens medievais, e à sua definição como a fusão de três elementos indispensáveis: a riqueza de ingredientes; a sabedoria na maneira de utilizá-los e o requinte nos mínimos detalhes. Com charme e versatilidade incontestáveis, quer falando da Cozinha Clássica ou da Nouvelle Cuisine, a gastronomia francesa é responsavel pelas inúmeras outras cozinhas que nela se espelharam e estão espalhadas pelo mundo, bem como das formas de fazer da cozinha e da mesa verdadeiras artes.
A partir deste enunciado, podemos interrogar a gastronomia francesa, em termos de História da Alimentação, a partir de quatro questões: 1. Desde quando esta reputação gastronômica, da qual os franceses sempre se orgulharam, nasceu? 2. Como esta reputação gastronômica se mantém até hoje? 3. Porque ela aconteceu na França? 4. Qual o comportamento da cozinha francesa diante da gastronomia molecular, principalmente a dos espanhóis?
Geralmente a idéia que se tem da Idade Média é aquela de cavaleiros brutais rasgando a dentada a caça ainda quente e a sangrar, os camponeses vivendo permanentemente com fome, os monges gordos de grandes barrigas que vivem só a comer; cozinheiros ignorantes trabalhando com instrumentos primitivos. Esta é a idéia que se tem da alimentação medieval,
isto é, tempos bárbaros que só podem corresponder a cozinhas bárbaras. Isso é uma visão já ultrapassada, pois os documentos de séculos atrás, nos revelam que os camponeses da Alta Idade Média (sécs. V ao X), salvo em tempos de acidentes climáticos, comiam de acordo com a fome que tinham e, muitas vezes melhor que os camponeses do séc. XVII (Era Moderna). E, entre as elites, desenvolveu-se nesta época medieval uma arte culinária, no sentido da gastronomia, que não fica nada a deverà nossa, no que diz respeito à variedade e sofisticação. É preciso considerar que a herança greco-romana (antiguidade Clássica) não foi aniquilada durante as invasões bárbaras e que permaneceu na aristocracia da Alta Idade Média, constituindo uma cozinha muito interessante.
Sendo a Idade Média uma civilização essencialmente cerealista, o pão torna-se o alimento principal, consumido na ceia, junto ao vinho. Portanto, pão e vinho são alimentos essências nesta época. Em face da importância da Igreja no cotidiano medieval, a evolução da cozinha foi lenta e progressiva, sendo que alguns alimentos foram postos de lado como os temperos de peixes (que eram largamente utilizados pelos romanos), substituídos por outras especiarias como a nozmoscada e o Cravo-da-Índia (começam a ser introduzidos na farmacopéia e depois na cozinha).
Ao longo da Idade Média opera-se uma outra modificação fundamental: a forma do corpo (o aprumo) da pessoa que come. O hábito de comer deitado da época romana é substituído pelo
hábito de comer sentado, determinado pela passagem de uma cozinha fundada nos picados e almôndegas que podiam se agarrados com as mãos, para uma outra em se priorizava o corte das carnes.
A mesa francesa medieval em certos períodos era farta, com a presença de peixes como congrios, arenques, salmões, enguias, lagostins, trutas, esturjões, empadas de Paris, tortas, pudim de ovos, queijos, castanhas, mostarda, pêras, alho, cebolas, e outros. Desta forma, na I. Média se constituiu uma arte de mesa original e requintada, uma certa gastronomia. A cozinha francesa na Idade Média é, sob certos aspectos, diferente da nossa tendo os gostos e hábitos alimentares sofridos profundas alterações. Mas essa ruptura não se deu de um dia para o outro. Importante destacar que em 1486, foi impresso o primeiro livro de culinária na França, intitulado Le Viandier com 230 receitas. Desse ponto de vista, a Renascença na França não parece ter sido um século de grandes mudanças culinárias, pois a influência medieval ainda estava muito forte e muito próxima.
A descoberta da América e do caminho marítimo para asÍndias, e a conquista espanhola da América Central trouxe novos alimentos para os europeus: tomate, pimentas, milho, batata, feijão verde, novas especiarias, temperos, peru e outros. Entretanto, a introdução destes novos alimentos na cozinha européia e especialmente a francesa, não foi algo de imediato. O uso destes alimentos manteve-se mais restrito até o séc. XVII, quando a nobreza e uma nova geração de cozinheiros demonstram claramente seus distanciamentos da cozinha gótica. A partir deste período, pode-se dizer que em França os gostos e as maneiras de comportamento á mesa (etiqueta) são renovadas. Tudo isso revela uma cozinha francesa inovadora, original, demonstrando que para os franceses a certeza que a sua forma de comer era superior a de todos os outros povos da Europa. E tal constatação é comprovada pela leva de estrangeiros que visitam a França e comprovam a superioridade francesa no domínio da cozinha e da mesa.
Ao longo do séc. XVII, a afirmação da cozinha francesa colocada acima é iniciativa da realeza sob Luis XIV, o Rei Sol. O refinamento proveniente da Corte engendra um vasto movimento de renovação dos costumes e práticas alimentares. Os cozinheiros franceses passam a privilegiar os cozimentos, deixando as carnes com o máximo de sabor, o que permitiu que se desenvolvesse em França uma produção de carne da mais alta qualidade. Junto à carne de boi se exigiu legumes frescos e de sistema de manutenção de alimentos como os peixes e frutos do
mar, isto é, oferecer sempre peixe fresco. Desta forma, a grande novidade desta cozinha do séc. XVII é privilegiar os sabores naturais dos alimentos (algo até então inédito).
O séc. XVIII viu surgir uma individualização da comida, isto é, um prato e seus talheres para cada pessoa. A mesa deixa de ter um serviço coletivo e cada pessoa terá um couvert para si. É desta época o início do uso mais freqüente do garfo, que trouxe consigo novos pratos, e novas práticas alimentares. Desta forma, a França vai rompendo com os costumes medievais aonde todos se serviam num prato comum e com as mãos. Foi ao longo do Séc. XVIII que surge os fundamentos da refeição moderna: a elegância da mesa, a etiqueta, o comportamento à mesa para comer e para beber. No séc. XVIII, a forma de dispor a comida nos pratos foi fortemente influenciada pelos acompanhamentos e com a conseqüente expulsão da ditadura do alho e da cebola: legumes, vegetais, os verdes, os temperos passam a dar cores aos pratos. Desta forma, a França promove a substituição da cozinha do olfato pela cozinha do olhar. Na verdade o Antigo regime (da realeza) ao realizar os famosos Banquetes de Estado que fizeram a fama do Palácio de Versalhes, produziu pratos que eram concebidos e apresentados de modo a realçar e divulgar grandeza da cozinha francesa. Neste período os cozinheiros franceses já eram considerados os melhores do mundo. Desta forma a realeza se vangloriava de promover a doçura do bem viver (frase de Talleyrand), que enaltecia o orgulho francês de ter a melhor cozinha do mundo.
Ainda no séc. XVIII, antes da revolução Francesa, se inventou em Paris o restaurante. Esta constatação começa por demolir a versão clássica, e reforçada, como no filme A Festa de Babette, que, segundo SEVCENKO, "vê à culinária francesa como uma das grandes conquistas da Revolução Francesa" (1). Há duas versões sobre a invenção dos restaurantes: 1. Aquela exposta por FLANDRIN & MONTANARI (2), demonstrando que M. Boulanger, também conhecido como "Champs d'Oiseaux, um padeiro e vendedor de sopas, resolveu colocar em seu estabelecimento perto do Louvre, algumas mesas a disposição a disposição dos seus clientes, que até então tomavam seus caldos restauradores em canecas e em pé. E com o aumento da clientela que passou a exigir além dos caldos restauradores, outros pratos, M. Boulanger passou a servir pratos com alimentos sólidos em porções individuais. A partir de então, ele foi seguido por outros imitadores e estava então inventado o restaurante na França, com um novo profissional o Restaurateur e um novo tipo de negócio, o Restaurante; 2. a outra versão sobre a invenção do restaurante, parte de SPANG (3) que atribui à Marthurin Roze de Chantoiseau a criação destes paraísos dos sabores. Sendo uma figura conhecida, Chantoiseau fixou residência em Paris em 1760, em plena conjuntura de crise econômica da França em face da sua dívida interna. Em Paris, a partir da fortuna herdada do pai, um rico latifundiário e mercador, Roze de Chantoiseau, após algumas tentativas de elaboração de projetos para ajudar a França a sair da sua crise, em 1765 abriu as portas do primeiro restaurante. A intenção era, através dos restaurantes, "fazer circular o dinheiro, que ajudaria a melhorar a situação econômica francesa "(4).
Após a revolução francesa, muitas pessoas que vinham a Paris buscavam estes lugares mais simples que servia uma comida também simples, mas reconfortante. Entretanto haviam chefes de cozinha desempregados, cujos patrões membros da alta nobreza, haviam fugido da revolução. Estes chefes, obrigados a encontrar uma outra maneira de realizar o seu trabalho, acabaram abrindo os seus próprios restaurantes, e tornando a cozinha artística dos grandes mestres, antes só encontrada nas residências dos ricos e poderosos, agora acessível ao grande público que pudesse pagar por ela. Nasce assim o grande restaurante em França, um produto autenticamente francês, desconhecido até então, com uma cozinha superior, um salão elegante, garçons eficientes e uma adega cuidadosa e selecionada. Tais predicados se espalharam pelo mundo, tornando a cozinha francesa famosa e respeitada. A partir daí, toda uma cultura culinária começou a florescer. Desenvolveu-se uma verdadeira "ciência da mesa", e em 1801 foi criado o termo gastronomia para designar o que Montaigne chamava de
"ciência da gula".
Para aqueles que estudam a História da Alimentação, os discursos gastronômicos evoluem em função das mutações técnicas, econômicas, estéticas, sociais e políticas, como a colonização (e o contato com outros povos), os fenômenos imigratórios, as relações internacionais, as conseqüências das guerras e hoje em dia em função da globalização. Nesse sentido, os alimentos não só alimentos, eles são atitudes, protocolos, convenções. Nenhum alimento que entra em nossas bocas é neutro. O alimento é uma categoria histórica e a formação do gosto alimentar não se dá exclusivamente por seus predicados biológicos e nutricionais.
No final do séc. XVIII, quando Napoleão chega ao poder e depois invade a Europa e o Oriente, os seus soldados portam na ponta das baionetas a obra dos direitos humanos e atrás deles seguem exércitos de cozinheiros, cabeleireiros, professores de danças: é a civilização francesa se expandindo pelo mundo. Nesta época destaca-se o cozinheiro-chefe Carême, considerado
um dos mais renomados expoentes da culinária francesa. Carême foi contemporâneo de Brilhat Savarin, famoso autor da obra "A Fisiologia do Gosto" Deve-se a Carême a invenção do vol-au-vent.
É importante destacar que os predicados da cozinha francesa são produtos da efervescência da sua história e da sua cultura. Há ainda a Geografia da França, oferecendo diversos tipos de clima e quatro fachadas marítimas. Possuiu também um império colonial rico em possibilidades agrícolas e fontes generosas de alimentos. Tudo isso estimula as trocas e influências inter-regionais e com o Exterior. De todas esta simbioses emerge a identidade nacional francesa, expressa na cozinha e na mesa francesa.
Na França os cozinheiros são respeitados, os Chefs são admirados e os Grandes Chefes são honrados tanto quanto os chefes militares. Desta forma foram cozinheiros que se tornaram
famosos como Paul Bocuse e Pierre Troigros, conceberam a nouvelle cuisine, denominação francesa para uma total renovação da culinária ligada à cultura pós-maio de 1968. Trata-se de uma nova concepção de se preparar os alimentos, usando-se, sobretudo, ingredientes frescos, de temporada, processo de cozimentos curtos, cardápios leves, evitando-se marinadas, fermentações e molhos a base de farinha, manteiga e caldos. Trata-se de uma cozinha clássica, estética e muito artística na sua apresentação.
Para compreender a cozinha francesa é preciso conhecer com que detalhes ela lida. As riquezas culinárias da Ile-de- France, com seus patês de enguia da cidade de Melum e os cogumelos e presuntos de Paris. Da Normandia vem o leite, a manteiga, a nata, os peixes do mar, as aves, os queijos em grandes variedades, os ovos, as cidras e o Calvados. Da Bretanha, vêm os mariscos, crustáceos e os peixes, sendo famosa também por seus legumes: ervilhas, repolhos, couve flor, alcachofras e cebolas. Da região da Champagne vêm a Champagne, as trutas e as caldeiradas. Da Borgonha chegam os vinhos tintos mais famosos, como o Conti Romanée e também vinhos brancos, mais os legumes, a caça abundante, os peixes de rio, o gado de primeira qualidade, as frutas e a mostarda de Dijon. Enfim, ficar-se-ia muito tempo falando das grandes relíquias alimentares da França, que possibilitam a melhor cozinha do mundo. Desta forma, um país que consegue codificar 297 formas de preparar o ovo (com mais de 125 tipos de omelete), faz a história no campo da gastronomia.
Nos últimos tempos a cozinha francesa tem começado uma nova diversificação: Há cozinheiros como Alan Passard que abandonou a cozinha das carnes e se concentra numa alta gastronomia de legumes, onde o legume é o alimento principal, como as beringelas da Bretanha, que é o nome do prato principal. Assim como Pierre Gagnaire que joga forte no prato das langustines na manteiga de nozes.
Há uma nova cozinha na França? Em recente evento em Tours/França, intitulado "Novas Tendências Culinárias" (5) foi constatada a realidade de que não há como abstrair as influências da cozinha molecular na culinária francesa. De qualquer maneira, desta resistência da nouvelle cuisine face às inovações da cozinha contemporânea, quem ganha é a clientela,
ávida pela boa comida.
Referências Bibliográficas
(1)
SEVCENKO, Nicolau. A síndrome da vaca cega. S.
Paulo: Carta Capital, 24/jan/2001, p. 73.
(2)
História da Alimentação/ sob a Direção de Jean-Louis
Flandrin & Massimo Montanari. S. Paulo: Estação
Liberdade, 1998, p. 755.
(3)
SPANG, Rebecca L. A Invenção do Restaurante. Rio de
Janeiro: Record, 2003, p. 27.
(4)
LORENÇATO, A. E a democracia do paladar mudou. S.
Paulo: Gazeta Mercantil, 12/13 out/2002, p.9.
(5)
Forum "Nouvelles Tendances Culinaires". Tours
(França), IEHCA, 02/03 dez/2005.